Por Fernando Castilho
Senhor
presidente Lula, o senhor, por inúmeras vezes, demonstrou que sabe o que é
passar fome e, por isso, seu governo está especialmente empenhado em garantir que
todos os brasileiros tenham ao menos três refeições ao dia. Porém, o
senhor realmente sabe o que é estar aposentado, com mãos que se tornaram rudes
pelo esforço, com costas que se curvaram sob o peso dos anos e com dores que se
tornaram nossas companheiras constantes, após trabalhar por 50, 60 anos, recebendo
como aposentadoria apenas um salário-mínimo ou pouco mais?
Somos
um grupo de cerca de 102 mil aposentados que trabalharam durante décadas
alimentando o sonho de que um dia, quando nossa força de trabalho se exaurisse,
teríamos direito a uma aposentadoria que nos garantisse, não a troca anual de
carro, viagens internacionais ou outros luxos, algo que já ficou muito distante
em nosso horizonte, mas pelo menos as três refeições diárias de que precisamos
para continuar a sobreviver.
Senhor
Presidente Lula, o senhor sofreu grandes injustiças na vida, desde que teve que
se meter num pau de arara e chegar a São Paulo enfrentando todo tipo de
discriminação e adversidades. Por quantas vezes o senhor foi discriminado por
ser um operário nordestino?
Pois
bem, nós aposentados nos sentimos também discriminados porque uma grande
parte de nossos direitos foi cortada quando fomos lesados pelo INSS que não
considerou nossas contribuições anteriores a 1994. Contribuímos durante mais de
20 anos numa época em que recebíamos salários mais altos, o que nos garantiria,
pela média, uma aposentadoria mais segura. Como esses mais de 20 anos não foram
computados, sentimos como se tivéssemos um braço decepado.
Senhor
presidente Lula, o senhor sabe o que é ser preso injustamente sem provas.
Não se deu por vencido e conquistou novamente o direito de caminhar com a
cabeça erguida. Nós também sabemos o que é injustiça e, por isso, não
nos demos por vencidos e ingressamos com uma ação no STJ, chamada de Revisão da
Vida Toda. O tribunal, por unanimidade, reconheceu nosso direito.
O
INSS, ignorando seu erro, recorreu ao STF, que nos garantiu nova vitória em
2022 por 6 a 5. Portanto, entendemos que a suprema corte deste país corrigiu a injustiça.
O senhor percebe, o quanto, assim como o senhor, fomos resilientes?
Porém,
a alegria durou pouco. O STF, munido de uma informação falsa de que a
Revisão da Vida Toda acarretaria um rombo financeiro da ordem de 480 bilhões de
reais, utilizou de um artifício para anular sua própria decisão de 2022.
Chegou ao cúmulo de aguardar a entrada de dois novos ministros para desenterrar
duas ADIs de 1999 para utilizá-las contra nós.
Assim
como o senhor recusou a indignidade de voltar para casa com uma humilhante
tornozeleira, recusamos também essa humilhante injustiça. Uma auditoria
de alto nível foi contratada pelo Ieprev (Instituto de Estudos
Previdenciários) para verificar o real impacto financeiro à União. E, pasme,
senhor presidente, os 480 bilhões de reais são uma falácia, ou, como
afirmou o ministro da previdência, Carlos Lupi, em entrevista, trata-se de um “chutômetro”.
Os números verdadeiros são da ordem de apenas 3,1 bilhões de reais a
serem dispendidos em 10 anos. Portanto, anular a RVT agora deixa de ser uma
preocupação atuária para passar a ser algum tipo de punição. Como
afirmou recentemente o ministro Barroso: quem insiste em ações no STF é
oportunista.
Senhor
presidente Lula, pode não parecer, mas nós, aposentados, representamos também, grosso
modo, um programa social, na medida em que movimentamos a economia, e, muitos
de nós, mesmo recebendo tão pouco, somos arrimos de família. Por isso,
merecemos respeito.
Disso
tudo que foi exposto, destacamos as consequências, caso o mérito a nosso favor,
já julgado e com acórdão publicado seja anulado:
1
–Será cometida, em plena gestão de um governo voltado para os mais pobres, uma
das maiores injustiças já cometidas contra um grupo vulnerável, invisibilizado
e ignorado de que se tem notícia em nosso país;
2 -
O STF, ao ignorar a Constituição, as próprias jurisprudências e seu próprio
Regimento Interno, cria para si um enorme problema para todos os futuros julgamentos
da corte: uma imensa insegurança jurídica;
3 –
Teremos que continuar a fazer bicos para complementar nossa renda até que um
dia, já não haja forças até para isso, contrariando o artigo 5º da
Constituição.
Senhor
presidente Lula, queremos afirmar e reafirmar que o que buscamos não é
piedade nem esmolas, mas sim, tão somente o reconhecimento de nosso
direito. Queremos nosso braço decepado de volta.
Por
isso, senhor presidente Lula, dadas às nossas limitações por sermos um pequeno grupo
de apenas 102 mil pessoas, vulnerável, invisibilizado pela grande
mídia e tratado como desprezível pelo mercado financeiro, através desta
carta, recorremos ao senhor, nosso grande exemplo de triunfo contra todas as
injustiças já sofridas.
QUE
NOSSO DIREITO CONQUISTADO SEJA PRESERVADO!
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