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quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Por que evangélicos apoiam Israel incondicionalmente?

Por Fernando Castilho



Segundo a teoria do dispensacionalismo, no Livro das Revelações, conhecido como Apocalipse, está escrito que quando Jesus voltar se dirigirá primeiramente ao povo judeu porque ele é o povo escolhido por Deus.


Repararam que o templo de Salomão da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo possui arquitetura e decoração interna que procuram reproduzir o original da Jerusalém antiga antes de sua destruição por Nabucodonosor II após o cerco de Jerusalém de 587 a.C.?

Repararam também que o bispo se veste paramentado como sacerdote hebreu, inclusive usando o kippa (uma espécie de boina redonda utilizada pelos judeus tanto como símbolo da religião como símbolo de temor a Deus) e longa barba, como se fora ele o próprio Rei Salomão?

Sempre me perguntei o porquê disso, uma vez que a Universal ostenta o slogan Jesus Cristo é o Senhor e, pelo que sabemos, os judeus não cultuam Cristo por não acreditarem em sua existência.

Recentemente foi divulgado que há um grande movimento neopentecostal no mundo todo, originado nos EUA que aproxima os cristãos de Israel.

Foi por pressão desses grupos que Donald Trump decidiu transferir a embaixada americana de TelAviv para Jerusalém, desagradando muçulmanos.

Foi também por pressão dos evangélicos do Brasil que Jair Bolsonaro se aproximou de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, prometendo fazer o mesmo que Trump e arriscando-se a comprometer exportações volumosas para países árabes em troca de menos de 1% que Israel importa de nosso país. Afinal, Bolsonaro se elegeu com grande apoio dos evangélicos.

Não via lógica nisso, até que li um artigo falando de dispensacionalismo.

Dispensacionalismo é o nome desse movimento que procura aproximar os neopentecostais de Israel, um estado cujo povo não reconhece Jesus Cristo. Mas no que se baseia? Qual sua lógica?

Segundo um artigo divulgado por esse grupo, no Livro das Revelações, conhecido como Apocalipse, está escrito que quando Jesus voltar se dirigirá primeiramente ao povo judeu porque ele é o povo escolhido por Deus. E justamente por isso, os judeus serão os primeiros a entrar no reino dos céus. E passarão, então, a acreditar em Jesus Cristo como o filho do pai.

Em seguida, irão para o Paraíso aqueles que deram apoio ao povo de Israel, ou seja, os crentes neopentecostais, claro.

Há ainda a ideia de que a vinda de Jesus pode ser apressada desde que Israel ocupe mais rapidamente os territórios ocupados, ou seja, dominem toda a terra prometida. Essa é uma das explicações para o genocídio que o primeiro-ministro de extrema-direita ora empreende contra o povo palestino.

E isso só será conseguido se todos apoiarem já Netanyahu, como fazia Bolsonaro. Esse é o motivo de sempre aparecerem bandeiras de Israel nas manifestações a favor do ex-presidente.

É como se um garoto se aproximasse do pior menino do bairro, dono da bola, somente para fazer parte do time de futebol que ele lidera.

Achemos absurdo ou não, ilógico e fundamentalista ou não, loucura ou não, essa é realmente a explicação para essa aproximação entre cristãos e israelitas.

 


terça-feira, 10 de outubro de 2023

Jeová, onde estás que não vês o sofrimento de um povo?

Por Fernando Castilho


A cerveja rolava farta e, à certa altura fiz a pergunta que talvez não devesse ter feito: "em caso hipotético de uma guerra entre Brasil e Israel, de que lado você ficaria?"


Seria muito ruim se este texto fosse interpretado de maneira diferente da minha intenção em escrevê-lo, já que o assunto é extremamente delicado. Defendo veementemente que todos os povos tenham direito à sua cultura, ao exercício de sua religião, à sua soberania e ao seu território. Ponto.

Ao longo da vida convivi com alguns judeus e pude refletir sobre seus pensamentos e como encaravam a causa israelense.

Um deles, conheci ainda na década de 70. Eu havia sido convidado para uma festa numa república de estudantes. Um dos rapazes, judeu, estudante da USP, contou eufórico que havia passado uma temporada num kibutz e assentiu às indagações dos demais presentes em relatar sua experiência, segundo ele, muito boa e enriquecedora.

A cerveja rolava farta e, à certa altura fiz a pergunta que talvez não devesse ter feito: "em caso hipotético de uma guerra entre Brasil e Israel, de que lado você ficaria?"

Observei os olhares meio constrangidos, mas também ansiosos pela resposta.

O rapaz afirmou com toda a segurança que lutaria por Israel.

Fui mais fundo. Talvez não devesse. "Você mataria seus amigos brasileiros?"

Não houve hesitação. "Claro que sim", disse ele.

Duas décadas mais tarde, fui com minha esposa a um jantar na casa de uma amiga sua, judia.

Conversa vai, conversa vem, lá pelas tantas ela disse que estava inscrita num programa de assentamento de judeus na Palestina.

Eu sabia que Israel estava expulsando palestinos violentamente de suas casas para derrubá-las e construir nos terrenos novas moradias para assentar judeus. Só não sabia que havia um programa para assentar judeus de várias partes do mundo.

Cabe aqui lembrar que a cicerone vivia em uma casa muito grande de classe média alta.

Daí, mais uma vez, fiz a pergunta talvez indevida pelo momento, mas necessária: "você acha certo que tratores derrubem casas de palestinos, mesmo com famílias dentro, para que judeus que possuem moradias sejam contemplados nesse programa?"

Mais uma vez a resposta não foi hesitante: "claro que sim!".

Fui mais fundo e perguntei: "por quê?"

"Ora, nós somos o povo escolhido por Deus! Na Bíblia Deus falou que os descendentes de Abrahão são seu povo preferido."

Discordei e, por isso, o jantar azedou.

Houve mais algumas experiências semelhantes a essas. Mas, por que relato esses dois casos?

Parece haver uma espécie de lavagem cerebral em parte dos judeus. Em Israel nem tanto, já que há muitos nativos que fazem oposição à política ultradireitista de Netanyahu e são contrários às ocupações de terras palestinas. Porém, para pessoas que seguem a Torá desde crianças como lei, como contestar aquilo que Deus falou?

A unidade de pensamento dos judeus em todo o mundo vem se rompendo aqui e ali, mas ainda é muito forte. É um movimento contrário à diáspora que faz com que todo judeu se orgulhe de sua religião, de sua origem e de seu destino, qual seja, o de povo que, quando do apocalipse, será o primeiro a subir aos céus e ficar ao lado de Deus. Todo o resto é inferior.

Preste atenção ao que Moisés disse, guiado por Deus, ao povo de Israel no final do êxodo:

“Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito” (Dt 7.7-8)

Se Deus disse mesmo que um dos povos que habitavam a Terra era o seu escolhido, tornou todos os outros preteridos. Imaginemos um filho predileto de seu pai que comete bulliyng e espanca seu irmão. Podemos concordar com isso? Não seria muito mais aceitável que o pai não manifestasse sua predileção por um dos filhos e tratasse os dois de forma igual?

Obviamente, toda generalização é perigosa, mas esse pensamento religioso enraizado na cultura judia é ainda muito forte, mesmo em pleno século XXI, com toda a Ciência e tecnologia de que dispomos. E ele é uma das principais causas dos conflitos.

É também muito perigoso dizer que nesse aspecto Israel se aproxima do pensamento que fez com que a Alemanha exterminasse seis milhões de judeus. Críticas aparecerão, com certeza, mas é preciso lembrar que o líder dessa ideologia pregava justamente a superioridade ariana aos demais povos que, pela sua inferioridade, deveriam ser dizimados. Será que há como defender que não é isso que está sendo praticado contra o povo palestino?

Trata-se do mesmo pensamento que fez com que a África do Sul praticasse o apartheid durante décadas e que agora se repete contra a Palestina que sobrevive cercada em seu já minúsculo território.

Esse pensamento precisa ser repudiado pela comunidade internacional, mas podemos apostar sem medo de perder que isso não acontecerá por causa da defesa canina que os Estados Unidos fazem de Israel, seja pelos negócios que os judeus têm por lá, seja pela presença armamentista forte no Oriente Médio, interessante aos americanos, seja pelos evangélicos que abraçam a causa israelense, já que eles mesmos acham vantajoso se aliar aos não cristãos porque sonham com o paraíso, mandando Cristo às favas.

Esse capítulo de um conflito que se arrasta por décadas e que agora assusta novamente o mundo, em breve arrefecerá, como já aconteceu inúmeras vezes, e os dois povos voltarão à mesma rotina de exterminador e exterminado até que não reste no futuro mais nenhum palestino vivo porque sabemos que um dos lados é incomensuravelmente mais forte que o outro. Aliás, Netanyahu já apresentou à ONU um mapa de Israel em que não aparece mais a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

O futuro poderá revelar uma expansão maior dos territórios israelenses em direção a Síria e ao Líbano. E isso já deve estar no radar de Netanyahu.

Mais guerras intermináveis virão.

Não mais em nome da religião, mas em nome de poder e dinheiro.


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