Por Fernando Castilho
A cerveja rolava farta e, à certa altura fiz a pergunta que talvez não devesse ter feito: "em caso hipotético de uma guerra entre Brasil e Israel, de que lado você ficaria?"
Seria muito ruim se este texto fosse interpretado de maneira
diferente da minha intenção em escrevê-lo, já que o assunto é extremamente
delicado. Defendo veementemente que todos os povos tenham direito à sua
cultura, ao exercício de sua religião, à sua soberania e ao seu território.
Ponto.
Ao longo da vida convivi com alguns judeus e pude refletir
sobre seus pensamentos e como encaravam a causa israelense.
Um deles, conheci ainda na década de 70. Eu havia sido
convidado para uma festa numa república de estudantes. Um dos rapazes, judeu,
estudante da USP, contou eufórico que havia passado uma temporada num kibutz e
assentiu às indagações dos demais presentes em relatar sua experiência, segundo
ele, muito boa e enriquecedora.
A cerveja rolava farta e, à certa altura fiz a pergunta que
talvez não devesse ter feito: "em caso hipotético de uma guerra entre
Brasil e Israel, de que lado você ficaria?"
Observei os olhares meio constrangidos, mas também ansiosos
pela resposta.
O rapaz afirmou com toda a segurança que lutaria por Israel.
Fui mais fundo. Talvez não devesse. "Você mataria seus
amigos brasileiros?"
Não houve hesitação. "Claro que sim", disse ele.
Duas décadas mais tarde, fui com minha esposa a um jantar na
casa de uma amiga sua, judia.
Conversa vai, conversa vem, lá pelas tantas ela disse que
estava inscrita num programa de assentamento de judeus na Palestina.
Eu sabia que Israel estava expulsando palestinos
violentamente de suas casas para derrubá-las e construir nos terrenos novas
moradias para assentar judeus. Só não sabia que havia um programa para assentar
judeus de várias partes do mundo.
Cabe aqui lembrar que a cicerone vivia em uma casa muito
grande de classe média alta.
Daí, mais uma vez, fiz a pergunta talvez indevida pelo
momento, mas necessária: "você acha certo que tratores derrubem casas de
palestinos, mesmo com famílias dentro, para que judeus que possuem moradias
sejam contemplados nesse programa?"
Mais uma vez a resposta não foi hesitante: "claro que
sim!".
Fui mais fundo e perguntei: "por quê?"
"Ora, nós somos o povo escolhido por Deus! Na Bíblia
Deus falou que os descendentes de Abrahão são seu povo preferido."
Discordei e, por isso, o jantar azedou.
Houve mais algumas experiências semelhantes a essas. Mas,
por que relato esses dois casos?
Parece haver uma espécie de lavagem cerebral em parte dos
judeus. Em Israel nem tanto, já que há muitos nativos que fazem oposição à
política ultradireitista de Netanyahu e são contrários às ocupações de terras
palestinas. Porém, para pessoas que seguem a Torá desde crianças como lei, como
contestar aquilo que Deus falou?
A unidade de pensamento dos judeus em todo o mundo vem se
rompendo aqui e ali, mas ainda é muito forte. É um movimento contrário à
diáspora que faz com que todo judeu se orgulhe de sua religião, de sua origem e
de seu destino, qual seja, o de povo que, quando do apocalipse, será o primeiro
a subir aos céus e ficar ao lado de Deus. Todo o resto é inferior.
Preste atenção ao que Moisés disse, guiado por Deus, ao povo
de Israel no final do êxodo:
“Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque
fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os
povos, mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a
vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da
servidão, do poder de Faraó, rei do Egito” (Dt 7.7-8)
Se Deus disse mesmo que um dos povos que habitavam a Terra
era o seu escolhido, tornou todos os outros preteridos. Imaginemos um filho
predileto de seu pai que comete bulliyng e espanca seu irmão. Podemos concordar
com isso? Não seria muito mais aceitável que o pai não manifestasse sua predileção
por um dos filhos e tratasse os dois de forma igual?
Obviamente, toda generalização é perigosa, mas esse
pensamento religioso enraizado na cultura judia é ainda muito forte, mesmo em
pleno século XXI, com toda a Ciência e tecnologia de que dispomos. E ele é uma
das principais causas dos conflitos.
É também muito perigoso dizer que nesse aspecto Israel se aproxima
do pensamento que fez com que a Alemanha exterminasse seis milhões de judeus.
Críticas aparecerão, com certeza, mas é preciso lembrar que o líder dessa
ideologia pregava justamente a superioridade ariana aos demais povos que, pela
sua inferioridade, deveriam ser dizimados. Será que há como defender que não é
isso que está sendo praticado contra o povo palestino?
Trata-se do mesmo pensamento que fez com que a África do Sul
praticasse o apartheid durante décadas e que agora se repete contra a Palestina
que sobrevive cercada em seu já minúsculo território.
Esse pensamento precisa ser repudiado pela comunidade
internacional, mas podemos apostar sem medo de perder que isso não acontecerá
por causa da defesa canina que os Estados Unidos fazem de Israel, seja pelos
negócios que os judeus têm por lá, seja pela presença armamentista forte no
Oriente Médio, interessante aos americanos, seja pelos evangélicos que abraçam
a causa israelense, já que eles mesmos acham vantajoso se aliar aos não
cristãos porque sonham com o paraíso, mandando Cristo às favas.
Esse capítulo de um conflito que se arrasta por décadas e
que agora assusta novamente o mundo, em breve arrefecerá, como já aconteceu
inúmeras vezes, e os dois povos voltarão à mesma rotina de exterminador e exterminado
até que não reste no futuro mais nenhum palestino vivo porque sabemos que um
dos lados é incomensuravelmente mais forte que o outro. Aliás, Netanyahu já
apresentou à ONU um mapa de Israel em que não aparece mais a Cisjordânia e a
Faixa de Gaza.
O futuro poderá revelar uma expansão maior dos territórios
israelenses em direção a Síria e ao Líbano. E isso já deve estar no radar de
Netanyahu.
Mais guerras intermináveis virão.
Não mais em nome da religião, mas em nome de poder e
dinheiro.
Fique à vontade para comentar.