Por Fernando Castilho
Ao ver Lula discursando em Paris criticando os países ricos, me lembrei de Chico Buarque: "você não gosta de mim, mas sua filha gosta."
Não
estive na primeira assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e
Diadema (hoje, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), realizada no estádio de Vila
Euclides em 13 de março de 1979, com a presença de Lula, desafiando o governo
ditatorial de então, mas estive numa das primeiras das cerca de 18 naquele
mesmo local.
Tinha
recém completado o curso de Arquitetura e Urbanismo na USP, em meio ao
movimento estudantil da época e estava particularmente interessado no que
aquele líder operário, então uma grande novidade no cenário político paulista,
tinha a dizer.
O
carisma era mágico, a oratória era mágica, os cabelos e barbas desgrenhados alteando
uma barriguinha apertada dentro de uma camiseta ilustravam a figura de um
típico operário, mas o que me fez ficar vidrado em sua fala foi o conteúdo,
sobre o qual me faltaram argumentos discordantes.
Lula
era absolutamente necessário naquele período.
O
operário foi o estopim do que viria a ser o grande comício pelas Diretas Já,
realizado em 10 de abril de 1984, que só logrou êxito no ano seguinte com o fim
da ditadura.
Já,
durante a abertura democrática, Lula, junto com outros companheiros operários e
intelectuais, fundaria o Partido dos Trabalhadores porque sua figura já não
mais cabia somente dentro de uma estrutura sindical. Ele enxergou que os trabalhadores
brasileiros só poderiam conquistar maiores direitos se marcassem presença na
estrutura de poder.
Dali
em diante, a figura de Lula já não cabia mais somente na atuação partidária. Ousou
ser presidente. Porém, a atuação do PT no cenário político nacional não
conseguiu garantir a eleição de Lula à presidência nas três vezes em que
disputou porque ele era visto com muita desconfiança e preconceito por uma
elite e por uma imprensa que preferiam ver o país no fundo do poço, como
aconteceu após a eleição do letrado e bonito presidente Collor, do que ser governado
para o povo mais pobre, sob a batuta de um ex-operário.
Em 2003,
Lula, enfim, conseguiu se eleger e foi presidente por dois mandatos.
Por
mais que os órgãos de imprensa tentem esconder dos mais novos e tentem negar,
foi ele o único presidente que realmente reduziu a desigualdade social tirando
o Brasil do mapa da fome. Isso, porque ousou desafiar o sistema até então
excludente ao criar o Bolsa-Família.
As
reações, vindas de todas as partes foram imediatas, mas com o tempo o programa
foi sendo aceito e, quando Jair Bolsonaro, num lance puramente eleitoral, mudou
o nome do Bolsa-Família para Auxílio Emergencial, não houve quem criticasse.
Lula
governou por dois mandatos e não faltou na mídia quem o crucificasse por
qualquer coisa que falasse. Se falasse “sim”, deveria falar “não” e vice-versa.
Agora está, de maneira inédita, apesar de tudo, em seu terceiro mandato.
Com
a idade ficamos mais resistentes a ídolos e tendemos a criticar aqueles que
mais admirávamos no passado, afinal, falsos ídolos têm pés de barro.
Sabemos
que Lula também tem suas falhas como todo ser humano, mas as qualidades as
superam em muito.
Votei
nele nos dois turnos das últimas eleições, ou seja, fiz o L. Mas confesso que
esperava muito mais dificuldades do que as que Arthur Lira, o presidente da
Câmara está criando para inviabilizar seu governo.
Se Lula
venceu a fome ao se deslocar com a família num caminhão pau-de-arara para São
Paulo, fez curso no Senai, foi metalúrgico, perdeu um dedo numa máquina, foi
líder sindical, esteve preso durante a ditadura, disputou, sem êxito três
eleições a presidente, se elegeu por duas vezes presidente, foi preso
injustamente por um juiz que cometeu lawfare e se elegeu novamente para um
terceiro mandato, tudo isso já seria muito mais que significativo para
aplaudirmos de pé essa trajetória impressionantemente exitosa.
Mas
Lula é Lula, o ousado. E que bom termos um presidente ousado para o bem, já que
tivemos um ousado para o mal.
Para
grande surpresa deste que escreve, Lula, qual borboleta, se liberta de seu
casulo e alça voos maiores do que poderíamos imaginar. Ele já não cabe mais
como líder de um país, somente. Ousa combater as desigualdades a nível mundial.
O
presidente foi a Paris. Quando os grandes jornais, os comentaristas de sempre e
mesmo a oposição esperavam que ele fosse fazer um discurso da mesmice (lembro
que a jornalista Eliane Catanhede chegou a afirmar que Lula não tinha o que
falar em Paris!), eis que o sapo barbudo, ou, como os amigos mais próximos dos
tempos de São Bernardo ainda o chamam, o baiano, surpreendeu e criticou os
países ricos.
Oh!
Que afronta, apressaram-se em criticar os colunistas dos jornalões. Isso vai na
contramão da diplomacia! O Brasil pagará um alto preço por isso!
Exatamente
nesse momento me lembrei de um trecho de uma música de Chico Buarque: “você não
gosta de mim, mas sua filha gosta.”
Os representantes
dos países mais pobres adoraram a fala de Lula que criticou os ricos por não
cumprirem o Protocolo de Quioto (os EUA sequer assinaram) e o Acordo de Paris.
Todos perdem tempo e dinheiro preciosos comparecendo a convescotes para enganar
o povo dizendo que estão adotando medidas para reverter as mudanças climáticas.
Enquanto isso, o planeta caminha resoluto para um cenário catastrófico.
Lula,
com muita sabedoria histórica, denunciou o anacronismo da ONU que, desde 1945
não se recicla e já não tem grande importância no cenário mundial. Alguém se lembra
de quantas vezes uma votação da ONU que dava 191 votos a favor da suspensão do bloqueio
econômico de Cuba, contra somente os votos dos EUA e Israel, foi desrespeitada?
Por
quantas vezes os EUA, e agora a Rússia, invadiram países sem consultar a ONU?
Para que ela serve, afinal?
Lula,
um ancião de 77 anos discursou em praça pública em frente à Torre Eiffel para
milhares de jovens ávidos a ouvi-lo e foi enormemente aplaudido.
Mas
o que os grandes jornais noticiaram? Deram pequenas notas quando deveriam, se
tivessem compromisso com a verdade e com o país, darem grandes manchetes,
afinal, Lula recupera nossa imagem no cenário mundial, destruída por seu
antecessor, conclama os países a se unirem para combater de fato as mudanças
climáticas e denuncia que, se essas medidas não forem tomadas para ontem, os
pobres é que pagarão o preço, já que os ricos têm como se salvaguardarem.
Lula
está diferente, fisicamente. Mas como evoluiu nessas décadas!
Concluo
aqui refletindo em como todo o resto dos políticos brasileiros e estrangeiros
são pequenos diante da estatura do operário.
E
como seu antecessor, de agora em diante, só pode ser visto através de um
microscópio, tão pequeno que é.