Por Fernando Castilho
Ontem, 19, fomos surpreendidos logo cedo com duas aprontadas do nosso judiciário:
Uma
diz respeito à proposta de anistia que a PGR e o ministro Barroso do STF
apresentaram aos golpistas do 8 de janeiro. A ideia é a seguinte: vocês vão
pagar uma multa de 5 mil reais (quem não puder, não paga nada), abandonar as
redes sociais por 2 anos e fazer um curso sobre democracia.
Ao
fazer essa proposta indecorosa, o STF deixa de seguir a Constituição que
deveria defender, dá um prêmio aos terroristas e uma banana ao cidadão
brasileiro que acredita que o tribunal dá algum valor à democracia.
Por
incrível que pareça, a proposta não foi aceita. Eles preferem ficar muitos anos
na cadeia do que fazer curso sobre democracia, algo insuportável para eles.
A
outra notícia é a concessão de pensão vitalícia a um ex-governador do Mato
Grosso do Sul, amigo de Gilmar Mendes. Vamos entender: por quatro votos a um,
os ministros da Segunda Turma do STF mandaram restabelecer a pensão vitalícia
do ex-governador de Mato Grosso Moisés Feltrin, que ficou no cargo por 33 dias
em 1991. Os ministros ainda determinaram o pagamento retroativo de parcelas que
Feltrin não recebe desde novembro de 2018, quando o governo de Mato Grosso
cortou os repasses acatando decisão da própria Corte. Isso dignifica que
Feltrin vai passar a receber 33 mil reais por mês, mais os retroativos desde
2018 que somam 2.574.000,00! O único voto discordante foi de Edson Fachin.
Segundo
Gilmar, “não há cruzada moral que justifique, à luz das garantias
constitucionais, a abrupta supressão do benefício recebido de boa-fé durante
décadas por pessoa idosa, sem condições de reinserção no mercado de
trabalho". Além disso, afirmou que a pensão paga ao ex-governador não é um
"privilégio odioso", mas um "benefício de caráter alimentar
recebido há anos por indivíduo que, tendo confiado na legislação e na
administração, já não mais tem condições de suprir, em razão da avançada idade,
suas necessidades no mercado de trabalho".
Para
Gilmar, o fato de o ex-governador Moisés Feltrin ser idoso, sem possibilidade
de reinserção no mercado de trabalho e ter recebido a pensão por longo período
justifica a manutenção dos repasses mensais.
No caso da Revisão da Vida Toda, que não beneficia somente um amigo, mas 102 mil aposentados que recebem em média cerca de 1800 reais por mês, Gilmar Mendes não considerou, durante a votação do processo, que eles por serem também idosos e não terem também possibilidade de reinserção no mercado de trabalho, que deveriam ter direito a mais algumas poucas centenas de reais para que pudessem comprar alimentos e remédios. Não considerou também que os segurados contribuíram de boa-fé com o INSS, mas agora estão vendo seu direito adquirido ser suprimido. Pelo contrário, seu voto em dezembro de 2022 foi desdenhoso.
Temos,
então, nessas duas notícias, dois casos flagrantes de desrespeito à
Constituição e à Democracia, além de compadrio, herança patrimonialista da qual
o Brasil não consegue se livrar.
Ao
ler as duas notícias, percebemos o quanto Sérgio Buarque de Holanda foi preciso
em Raízes do Brasil. No primeiro caso, ao afirmar que o brasileiro é um homem
cordial (“cordial” tem raiz em “coração”). Para o autor, o brasileiro pensa
mais com o coração do que com a razão, por isso, a tendência é sempre de
abrandamento. Inicialmente fala-se em cumprir a lei com rigor e punir os
golpistas, mas, à medida que o tempo passa, aparece o “deixa disso”, o “vamos
conciliar”, o “vamos pacificar o Brasil”. E assim, preparamos terreno para
viver o golpismo novamente algum dia; no segundo caso, Buarque afirma que em
nosso país a impessoalidade não funciona. Tudo se resolve na base do compadrio,
com o privado prevalecendo sobre a coisa pública, a res pública.
Somos
o país que privilegia quem já soma muitos privilégios e subtrai direitos de
quem tem muito pouco.
Sim, as instituições estão funcionando. Do jeito como sempre funcionaram, desde que os portugueses por aqui atracaram.