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sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Para golpistas e governador por 33 dias, tudo. Para aposentados, nada

Por Fernando Castilho



Ontem, 19, fomos surpreendidos logo cedo com duas aprontadas do nosso judiciário:

Uma diz respeito à proposta de anistia que a PGR e o ministro Barroso do STF apresentaram aos golpistas do 8 de janeiro. A ideia é a seguinte: vocês vão pagar uma multa de 5 mil reais (quem não puder, não paga nada), abandonar as redes sociais por 2 anos e fazer um curso sobre democracia.

Ao fazer essa proposta indecorosa, o STF deixa de seguir a Constituição que deveria defender, dá um prêmio aos terroristas e uma banana ao cidadão brasileiro que acredita que o tribunal dá algum valor à democracia.

Por incrível que pareça, a proposta não foi aceita. Eles preferem ficar muitos anos na cadeia do que fazer curso sobre democracia, algo insuportável para eles.

A outra notícia é a concessão de pensão vitalícia a um ex-governador do Mato Grosso do Sul, amigo de Gilmar Mendes. Vamos entender: por quatro votos a um, os ministros da Segunda Turma do STF mandaram restabelecer a pensão vitalícia do ex-governador de Mato Grosso Moisés Feltrin, que ficou no cargo por 33 dias em 1991. Os ministros ainda determinaram o pagamento retroativo de parcelas que Feltrin não recebe desde novembro de 2018, quando o governo de Mato Grosso cortou os repasses acatando decisão da própria Corte. Isso dignifica que Feltrin vai passar a receber 33 mil reais por mês, mais os retroativos desde 2018 que somam 2.574.000,00! O único voto discordante foi de Edson Fachin.

Segundo Gilmar, “não há cruzada moral que justifique, à luz das garantias constitucionais, a abrupta supressão do benefício recebido de boa-fé durante décadas por pessoa idosa, sem condições de reinserção no mercado de trabalho". Além disso, afirmou que a pensão paga ao ex-governador não é um "privilégio odioso", mas um "benefício de caráter alimentar recebido há anos por indivíduo que, tendo confiado na legislação e na administração, já não mais tem condições de suprir, em razão da avançada idade, suas necessidades no mercado de trabalho".

Para Gilmar, o fato de o ex-governador Moisés Feltrin ser idoso, sem possibilidade de reinserção no mercado de trabalho e ter recebido a pensão por longo período justifica a manutenção dos repasses mensais.

No caso da Revisão da Vida Toda, que não beneficia somente um amigo, mas 102 mil aposentados que recebem em média cerca de 1800 reais por mês, Gilmar Mendes não considerou, durante a votação do processo, que eles por serem também idosos e não terem também possibilidade de reinserção no mercado de trabalho, que deveriam ter direito a mais algumas poucas centenas de reais para que pudessem comprar alimentos e remédios. Não considerou também que os segurados contribuíram de boa-fé com o INSS, mas agora estão vendo seu direito adquirido ser suprimido. Pelo contrário, seu voto em dezembro de 2022 foi desdenhoso.

Temos, então, nessas duas notícias, dois casos flagrantes de desrespeito à Constituição e à Democracia, além de compadrio, herança patrimonialista da qual o Brasil não consegue se livrar.

Ao ler as duas notícias, percebemos o quanto Sérgio Buarque de Holanda foi preciso em Raízes do Brasil. No primeiro caso, ao afirmar que o brasileiro é um homem cordial (“cordial” tem raiz em “coração”). Para o autor, o brasileiro pensa mais com o coração do que com a razão, por isso, a tendência é sempre de abrandamento. Inicialmente fala-se em cumprir a lei com rigor e punir os golpistas, mas, à medida que o tempo passa, aparece o “deixa disso”, o “vamos conciliar”, o “vamos pacificar o Brasil”. E assim, preparamos terreno para viver o golpismo novamente algum dia; no segundo caso, Buarque afirma que em nosso país a impessoalidade não funciona. Tudo se resolve na base do compadrio, com o privado prevalecendo sobre a coisa pública, a res pública.

Somos o país que privilegia quem já soma muitos privilégios e subtrai direitos de quem tem muito pouco.

Sim, as instituições estão funcionando. Do jeito como sempre funcionaram, desde que os portugueses por aqui atracaram.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Silêncio injusto: a luta dos aposentados pela Revisão da Vida Toda

Por Fernando Castilho




Há alguns meses, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, recebeu em audiência os representantes do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev). A pauta não poderia ser mais crucial: a Revisão da Vida Toda, uma conquista que os aposentados obtiveram com muita luta, reconhecida em uma decisão histórica do STF. Na reunião, Lupi demonstrou sentir profundamente o peso dessa causa, compreendendo que a vitória dos aposentados estava sendo ameaçada de forma injusta, sob a alegação de um rombo colossal de 480 bilhões de reais. O instrumento utilizado para a derrubada vitória dos aposentados foi o ressuscitamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) de 1999.

Com a responsabilidade que lhe cabia, Lupi concordou em receber do Ieprev um estudo científico que revelaria os números reais envolvidos, derrubando de vez esse espantalho de um prejuízo astronômico aos cofres públicos. Em uma demonstração de transparência e compromisso, Lupi afirmou à imprensa que os valores divulgados eram nada mais do que um “chutômetro”, reacendendo a esperança no coração dos aposentados. Eles acreditaram que, finalmente, o ministro levaria essa questão tão delicada ao presidente Lula, um líder que sempre se destacou na defesa dos mais vulneráveis.

Mas o que veio a seguir foi um silêncio que ressoou como um golpe seco e cruel. Apesar das inúmeras oportunidades, inclusive em reuniões ministeriais, o assunto foi deixado de lado, e a esperança dos aposentados começou a se esvair.

O estudo encomendado pelo Ieprev, agora finalizado, trouxe à tona uma verdade avassaladora: o impacto financeiro seria de apenas 3,1 bilhões em 10 anos (310 milhões por ano), um valor insignificante comparado aos 480 bilhões alegados pela AGU – apenas 0,5% do montante! Para os aposentados, esse valor mensal é muito menor do que os milhões que o governo planeja destinar ao resgate de uma empresa privada que administra o aeroporto de Porto Alegre, destruído pelas enchentes.

A missão do ministro da Previdência Social é clara e inquestionável:

  1. Implementar o plano do governo eleito em 2022;
  2. Proteger e melhorar a vida dos segurados do INSS.

Embora Lupi tenha mostrado competência em seguir essa missão, falta-lhe a coragem de enfrentar, com firmeza e determinação, o desrespeito brutal aos direitos de 102 mil aposentados que o STF deveria garantir.

Pode-se alegar que há um crescente rombo na Previdência que o governo precisa combater com seriedade, mas é preciso lembrar que a RVT é um direito conquistado que não pode ser anulado.

Enquanto isso, há duas semanas, os aposentados enfrentavam uma amarga derrota no julgamento virtual dos embargos de declaração das ADIs, com quatro votos desfavoráveis, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque, interrompendo a votação e levando o caso ao plenário presencial, onde tudo recomeçará do zero.

Essa pausa oferece uma nova chance. Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Bruno Fischgold, os advogados contratados pelo Ieprev, terão agora a oportunidade de apresentar os verdadeiros números aos ministros, dissipando a principal justificativa para a derrubada da Revisão da Vida Toda. Além disso, tentam convencer os ministros da necessidade, pelo menos, de modular os efeitos da ação, garantindo os direitos a quem entrou com a ação, por exemplo, antes da publicação do acórdão. Porém, os advogados não terão a oportunidade de conversar diretamente com o presidente.

Em um julgamento onde a política econômica parece prevalecer sobre a justiça, é urgente que surja um defensor de peso em favor dos idosos vulneráveis. Exceto Lupi, justamente o chefe da pasta e um grande defensor da RVT, parece não haver mais ninguém com a força política necessária para lutar pelos segurados.

Se o presidente Lula prometeu garantir a segurança alimentar de todos os brasileiros até o fim de seu mandato, é vital que ele saiba que essa promessa está em risco. Porém, se Lupi não apresentar os números verdadeiros ao presidente, a pressão sobre o Supremo para anular a decisão que deu vitória aos aposentados continuará, e a justiça arduamente conquistada poderá se perder no vazio da omissão.