Por Fernando Castilho
Embora haja grande diversidade de sistemas de governo mundo afora, a imensa maioria se considera democrática. Só mudam os padrões
Domingo último (28), Nicolás
Maduro venceu as eleições na Venezuela e, como era esperado, a imprensa mundial
se apressou a afirmar que houve fraude.
Este artigo não trata de
incensar Maduro, mas sim, desanuviar um pouco as névoas que a grande mídia,
segundo seus interesses, coloca à frente de nossos olhos.
Em primeiro lugar, vamos
compreender o que significa a palavra “democracia”. Segundo o dicionário
Aurélio, democracia é:
1 - Governo em que o poder é
exercido pelo povo;
2 - Regime baseado na liberdade
e na soberania popular, sem desigualdades ou privilégios entre classes;
3 - Sistema governamental e
político em que os dirigentes são escolhidos através de eleições populares;
4 - Nação ou país que segue os
princípios do sistema democrático.
Isto posto, a pergunta que
devemos fazer é: em qual país do mundo esses quesitos são perfeitamente
preenchidos?
Vamos pegar primeiramente o
exemplo do sistema brasileiro. Por aqui a democracia é a chamada
“representativa”, em que o povo, através de eleições, elege seus representantes
no congresso. Ou seja, são esses eleitos que lutarão para defender os
interesses daqueles que os elegeram.
É fácil perceber que, na
prática, isso não acontece. A maioria de nossos parlamentares, pertencentes ao
Centrão, usa o congresso para ganhar dinheiro e poder para eles mesmos.
Recentemente o deputado Eduardo Bolsonaro liderou uma comitiva nos Estados Unidos
para pedir ao congresso estadunidense que imponha sanções econômicas contra seu
próprio país, ou seja, contra seu próprio povo. Isso é lutar pelos interesses
do povo que o elegeu? E lembro ainda que Eduardo mora no Rio de janeiro, mas é
deputado por São Paulo, estado que ele nem conhece.
Se perguntarmos ao povo se o
Brasil é uma democracia de verdade, ele, na sua maioria, responderá que sim.
Vamos aos EUA, a terra da
democracia, como costumamos falar. Por lá o povo vota, mas seu candidato a
presidência nem sempre leva. Explico: cinco candidatos venceram as eleições,
mas, devido à contagem de votos através do colégio eleitoral, foram impedidos
de governar. Só neste século foram dois: Al Gore, em 2000 e Hillary Clinton, em
2016.
Ainda nesse país, há um grande
número de partidos, mas somente dois, o Democrata e o Republicano, disputam de
fato. Por quê? Por lá, os candidatos recebem doações privadas e estas são
direcionadas a esses dois partidos, somente. Na prática, quem conseguir maior
volume de doações fica bem perto de se eleger. Foi por pressão de doadores que
Joe Biden teve que desistir da corrida.
Se perguntarmos ao americano
médio, se os EUA são uma democracia de verdade, ele responderá que sim.
Ah, mas e a China?, alguém
perguntará.
Por lá existem as Assembleias
Populares Locais populares em todos os níveis de governo local (provincial,
municipal, distrital, e de aldeia).
Os membros das assembleias
populares locais são eleitos diretamente pela população, mas os candidatos
devem ser aprovados pelo PCC.
Por lá existem as assembleias
populares locais em todos os níveis de governo local (provincial, municipal,
distrital e de aldeia).
Os membros das assembleias
populares locais são eleitos diretamente pela população, mas os candidatos
devem ser aprovados pelo Partido Comunista Chinês (PCC).
Quanto ao poder legislativo, o Congresso
Nacional do Povo (CNP) é o órgão legislativo supremo da China e seus membros
são eleitos pelos congressos provinciais e das regiões administrativas
especiais, do nível inferior até o nível local. Tudo controlado pelo PCC.
Se perguntarmos aos chineses
(como já fiz) se a China é uma democracia de verdade, a maioria responderá que
sim.
Embora haja grande diversidade
de sistemas de governo mundo afora, a imensa maioria se considera democrática.
Só mudam os padrões.
O berço e o grande exemplo ao
mundo do que significa “democracia” é a Grécia Antiga.
Por lá os cidadãos se reuniam
numa grande praça em Atenas, chamada de Ágora para decidir sobre absolutamente
qualquer coisa, desde uma pendenga de vizinhos até grandes questões de Estado.
Era a chamada democracia direta.
Mas as mulheres não podiam
votar; os escravos (eles eram muitos) não podiam votar; os estrangeiros também
eram impedidos. No final das contas, calcula-se que somente 10% da população
ateniense decidiam o futuro do país.
Era verdadeiramente uma
democracia?
Voltando finalmente à Venezuela.
Ela é uma democracia? Deixo a
resposta para quem quiser se manifestar.
Em 2019, após vitória de Maduro,
o candidato derrotado, Juan Guaidó se autodeclarou presidente. Os EUA e a União
Europeia se apressaram em reconhecê-lo contrariando o princípio da
autodeterminação dos povos, princípio fundamental do direito internacional que
visa assegurar a independência, a liberdade e o direito de organização própria
dos povos. Pergunto: essa atitude respeita a democracia?
Atualmente, o Haiti enfrenta uma
crise política e humanitária grave. Desde o assassinato do presidente Jovenel
Moïse em 2021, o país tem sido tomado por gangues violentas que controlam
várias áreas e aumentam a insegurança. A corrupção, a impunidade e a má
governança estão exacerbando a situação, resultando em um colapso quase total
das instituições estatais. Pergunto: por que a grande mídia e as grandes
democracias ocidentais não se preocupam nem acompanham o que está acontecendo
no Haiti?
Para alinhavar o texto, essa
questão eu mesmo respondo: não importa o que acontece no Haiti. Lá não há
petróleo.
As pessoas comuns no Brasil, ao
verem o noticiário se concentrar tanto na Venezuela, devem estar se
perguntando: mas por que falam tanto dessa Venezuela?
É porque o país possui a maior
reserva praticamente não explorada de petróleo do planeta. Esse é o grande
interesse.
Por um lado temos um sistema de
governo que resiste às investidas dos EUA para tomar-lhe o petróleo e por
outro, uma oposição que tem a clara intenção de privatizar a estatal
petrolífera entregando o ouro negro às grandes companhias norte-americanas.
O país hoje sofre bloqueio
comercial dos EUA que não permitem que outros países comprem seu petróleo e que
lhe vendam seus produtos, o que constitui verdadeira tortura ao povo
venezuelano.
Alguém, então, perguntará? Mas
então, não é melhor ceder para que esse bloqueio seja levantado?
Ora, se Maduro privatizar seu
petróleo, quem ganhará muito dinheiro serão investidores norte-americanos. O
dinheiro não será repartido com os mais pobres.
Mas uma coisa dá pra garantir:
se Maduro entregar o petróleo para os americanos, deixará no dia seguinte de
ser chamado de ditador. Será considerado o maior democrata do planeta.
P.S.: Lula acerou ao falar que democracia é um conceito relativo.
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