Por Fernando Castilho
A TV estava noticiando a tragédia de Brumadinho, quando a barragem da empresa mineradora Vale se rompeu causando mais de duzentas mortes ao longo do tempo.
A menina logo perguntou o que estava acontecendo.
Sophia, minha netinha, tinha apenas 5 anos à época.
Com muita paciência e procurando as palavras mais simples para lhe explicar, certamente perdi vários minutos, mas fui cada vez me sentindo mais encorajado a continuar porque ela foi ficando cada vez mais interessada.
Nos dias que se seguiram as notícias sobre Brumadinho continuavam. Invariavelmente Sophia parava imediatamente o que estava fazendo, ia para a frente da TV e ficava ali, parada, em pé, compenetrada, tentando compreender o que os narradores explicavam.
Hoje, com 8 anos, Sophia veio passar as férias em casa.
Durante o almoço contou que na escola municipal onde cursa o Fundamental I há crianças que às vezes não levam o lanchinho das 10:00 por suas mães não terem o que preparar.
A escola fornece uma espécie de complemento aos lanchinhos levados pelas crianças, geralmente salada e às vezes macarrão.
Sophia disse que costuma dividir sua merenda com a Tífani, uma das coleguinhas carentes. Revelou que as duas ficam muito felizes com isso. Para meu espanto, ela sabe a diferença entre estar sentindo fome e viver a fome.
Este texto não é para mostrar as qualidades de minha netinha, mas para falar sobre o que nossas crianças estão passando.
Provavelmente os pais de Tífani estão desempregados como milhões pelo país. Se estiverem, a probabilidade de que, se não conseguirem emprego logo, tenham que passar fome, entregar a casa onde moram e ir para a rua, no pior cenário, é alta.
Não há nada mais triste que isso.
E não há nada, absolutamente nada, que o governo esteja fazendo para resolver essa situação. Aliás, o ministro da Economia, Paulo Guedes ainda não voltou da férias e anda sumido. Ao contrário de Tífani e de Sophia, ele não tem a menor ideia do que é fome. Já chegou a defender que se distribua restos de comida aos pobres, aquilo que antigamente chamávamos de lavagem. Isso num país que produz alimentos para todo o mundo.
Ah, mas Bolsonaro criou o Auxílio Brasil de 400 reais por família carente em substituição ao Bolsa Família, não é?
Sim, criou, mas somente neste ano eleitoral de 2022. Se vencer as eleições, provavelmente extinguirá o programa do qual é inimigo declarado (lembram de quanto ele execrava o Bolsa Família por considerar que o programa gerava vagabundos). Se perder, ficará para o próximo governante resolver sobre a continuidade ou não do auxílio.
O fato é que a economia está entregue aos cidadãos do país. Cada empresário que se vire. Cada empregado ou desempregado que se vire.
O Estado como instituição está totalmente ausente.
Não há uma política sequer de geração de empregos. Nada.
O pior é que assistimos a este estado de coisas inertes, como que paralisados diante das estupefações diárias a que somos expostos.
Felizmente, no momento em que escrevo, faltam 9 meses, cerca de 270 dias para voltarmos a ter esperança de que o Brasil, enfim, possa voltar a ser uma Nação e seu povo, alimentado.
Sophia ficará feliz, com certeza.