Por Fernando Castilho
Chico Buarque, um de nossos maiores compositores, uma das maiores instituições de nossa Música Popular Brasileira, acaba de ser cancelado por um movimento feminista que não sei se representa realmente o coletivo.
O fato é que Chico acusou o golpe e decidiu não mais cantar a música Com Açúcar, Com Afeto, composta para a interpretação de Nara Leão e tida como machista.
O compositor carioca é um dos maiores especialistas em interpretar a alma, as paixões e angústias das mulheres brasileiras, em sua maioria negras, diaristas e muitas vezes abandonadas pelos maridos, tendo que sustentar seus filhos sozinhas. Feministas da classe média das grandes cidades não as conhecem, mas Chico, sim.
Entre outras letras que tratam de temas semelhantes, lembro-me de Teresinha que ficou excelente na voz de Maria Bethânia:
Um homem rude, machista, que invade a vida de uma mulher e dela se apossa como se apossa de um objeto qualquer.
Em Com Açúcar, Com Afeto, Chico mostra o homem que não compartilha, não soma, individualista ao extremo e que engambela sua mulher para manter seu estilo de vida.
Daí perguntamos: o autor de A Banda está sendo machista ou está esfregando na cara dos homens tudo aquilo que eles são na verdade?
O que o movimento diz de um de nossos maiores clássicos, Se Acaso Você Chegasse, de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, interpretada por ninguém menos que Elza Soares?
“Eu falo porque essa dona já mora no meu barraco
À beira de um regato e de um bosque em flor
De dia, me lava a roupa
De noite, me beija a boca
E assim nós vamos vivendo de amor”
Os homens das periferias, das comunidades, muitas vezes camelôs, pedreiros, operários, entregadores de aplicativos, etc., e que à noite vão para os botecos encontrar com os amigos para beber uma cachaça barata, deixando suas mulheres sozinhas com as crianças e que muitas vezes voltam bêbados para casa, pedem perdão ou as espancam, são os homens retratados por Chico ou Lupicínio. Eles existem de fato e Chico, classe média, filho de um dos maiores intelectuais do país, os conhece e denuncia o machismo com que tratam suas mulheres.
Esse movimento feminista não interpretou corretamente as letras de Chico que aceitou a truculência com afeto, recusando-se a enfrentar a polêmica.
A que isso vai nos levar?
Será que veremos o revisionismo geral de todas as letras de nosso cancioneiro popular? De Cartola a Lupicínio e a Chico, passando até por Erasmo Carlos em Coqueiro Verde?
Será que essas músicas não são nosso patrimônio cultural devendo ser preservadas como o retrato da realidade de uma época?
Será que estamos vendo o nascimento de uma expressão do fascismo disfarçada?
Tratem Chico com açúcar e com afeto porque ele merece.