quinta-feira, 30 de junho de 2022

Uma premonição me revelou

Por Fernando Castilho




O capitão começa a ser espremido, moído, triturado, até restar um bagaço inútil cujo fim será a prisão e a lata de lixo da história.


Observo na feira. O vendedor de caldo de cana passa o caule uma vez por entre as engrenagens e o suco escorre generoso para a vasilha. 

Não satisfeito, o homem decide dobrar o que sobrou e passar mais uma vez. Agora sai menos, mas ainda sai.

Pela terceira vez o caule é espremido até sobrar só um bagaço que é jogado no lixo.

Recentemente o presidente Jair Bolsonaro (PL) começou a ser espremido pelo surgimento de denúncias de corrupção em seu governo.

Veio o vazamento do discurso do então ministro da educação, Milton Ribeiro em que afirma que recursos do MEC eram repassados a dois pastores para que eles os ofertassem a prefeituras, segundo critérios próprios, por orientação do presidente. Em troca de propina.

O fato gerou investigação da Polícia Federal, que culminou na prisão preventiva de Milton Ribeiro. Então apareceu o delegado Bruno Calandrini, indignado com os privilégios recebidos pelo ex-ministro enquanto preso.

Outro áudio que veio a público revela, antes da prisão, uma conversa telefônica entre Ribeiro e sua filha. Nesse diálogo, o ex-ministro diz que Bolsonaro lhe telefonou dizendo que havia tido uma premonição sobre a prisão preventiva, revelando o medo que sentia de que a ação também o atingisse.

Imediatamente senadores da oposição se mobilizaram e conseguiram assinaturas suficientes para a abertura de uma CPI do MEC.

O defunto ainda não estava frio, quando cinco servidoras da Caixa Econômica Federal vieram a público denunciar que o presidente do órgão, Pedro Guimarães era especialista em assédio sexual dentro e fora do ambiente de trabalho durante viagens.

Um grupo maior de servidoras fez protesto em frente à sede da Caixa exigindo a saída de Pedro.

O fiel seguidor de Bolsonaro, teve que deixar a presidência.

As denúncias contra um governo que vinha enchendo o peito para bradar que nele não havia corrupção, agora o desnudam.

O capitão começa a ser espremido, moído, triturado, até restar um bagaço inútil cujo fim será a prisão e a lata de lixo da história.

E isso, faltando três meses para as eleições, em um ambiente desfavorável devido à larga vantagem de Lula nas pesquisas.

Se servidores – no caso, da PF – e servidoras – no caso da Caixa - tomaram coragem para mostrar que o presidente está envolvido em escândalos e que um dos homens fortes do governo é um assediador sexual, podemos esperar que mais gente da máquina tome atitudes semelhantes?

Foi a segurança da impunidade que fez a turba que governa o país se descuidar e não se preocupar com o que servidores veem todos os dias.

Há todo tipo de servidor. Existem os que têm preferência política por Bolsonaro e agem segundo essas convicções, mas também há os que estão descontentes com esse governo e votarão em Lula. Há um terceiro grupo menos político que se preocupa com a probidade administrativa e que deve estar indignado e revoltado, tamanho o desrespeito com a res publica.

O crescimento exponencial das revelações de corrupção poderá ter o efeito de encorajar cada vez mais servidores a denunciá-las. Seria o fim das pretensões eleitorais do capitão, se ficarmos somente na expectativa do respeito às urnas e ao estado de direito.

É o que uma premonição me revelou.


domingo, 26 de junho de 2022

Nunca fomos tão tolerantes com o intolerável

Por Fernando Castilho



O fato é que o país vive uma espécie de Síndrome de Estocolmo, acostumou-se e se adaptou ao tirano. E isso é ruim, muito ruim.


Houve época em que bastou uma presidenta falar que o Brasil ia estocar vento, para que o país desabasse sobre sua cabeça.

Pesquisa do antigo Ibope dava para Dilma Rousseff aprovação de 10% e rejeição de 69% em março de 2016. Na época os brasileiros tinham emprego, podiam fazer churrasco nos finais de semana, o gás custava 35 reais e a gasolina, 2,39 reais. Além disso, não havia escândalos de corrupção e nem crime de responsabilidade.

Pessoas saíam às ruas de verde e amarelo para exigir que ela deixasse o governo e a grande imprensa lhe fazia uma duríssima campanha.

Os brasileiros não gostavam de sua maneira de falar, de seu penteado e de suas roupas. E não suportavam o fato de ela ser mulher.

O país era intolerante.

Mas mudou.

Hoje temos um presidente que:

Ignorou e fez pouco caso da pandemia da covid -19, boicotou as vacinas e foi responsável por centenas de milhares de mortes;

Incapaz de governar, entregou o orçamento da União ao centrão que o utilizou para distribuí-lo secretamente entre seus apoiadores que se lambuzam com tanta grana e fazem a maior festa com dinheiro público de que se tem notícia;

Livre da tarefa para a qual foi eleito, o presidente pode, enfim, ter tempo para fazer o que realmente gosta, ou seja, se exibir com jet-skis e promover motociatas pagas com dinheiro público ao mesmo tempo em que faz campanha para sua reeleição;

Sem programas de governo, políticas públicas e vontade de governar para quem realmente precisa, o país, logicamente começou a afundar com o reaparecimento da inflação, a alta dos combustíveis, dos alimentos e da energia elétrica. Pessoas estão sendo despejadas de suas casas e indo morar nas ruas. Já são cerca de 35% os famélicos;

Incentivados pela postura autoritária, violenta, preconceituosa e sociopata do presidente, aqui e ali começaram a emergir das grelhas dos esgotos todos os tipos de animais peçonhentos, repugnantes e contagiosos. Testemunhamos um rapaz sendo asfixiado dentro de uma viatura policial, um indigenista e um jornalista sendo assassinados na Amazônia e uma juíza pressionando uma menina estuprada de 11 anos a prosseguir com uma gravidez indesejada e de alto risco;

Vemos todos os dias o presidente ameaçar dar um golpe de estado porque já tem certeza de que não vencerá as eleições e porque sabe que poderá ser preso assim que deixar o poder;

Numa conversa telefônica entre o ex-ministro da educação, Milton Ribeiro e sua filha, fica claríssimo que o presidente cometeu crime de obstrução de justiça ao avisá-lo de que poderia ser preso preventivamente. Enquanto desvios de dinheiro são promovidos por pastores sob o consentimento do mandatário da nação, todos os índices educacionais despencam e já não há futuro para grande parte de nossas crianças;

O governo entregou a preço de banana a Eletrobras, garantindo dinheiro para subsidiar parte dos combustíveis até o final do ano, somente. Ou seja, trocamos uma grande estatal por alguns litros de gasolina e óleo diesel. Agora o preço da energia elétrica vai aumentar cerca de 65%;

Como se tudo isso não bastasse, há mais de 100 pedidos de impeachment na Câmara Federal protegidos pelo seu presidente Arthur Lira, encantado com os milhões que recebe do orçamento secreto e distribui para seu filho e correligionários fazerem a festa em Alagoas.

Agora que Dilma deixou o governo, o Brasil se tornou tolerante. Extremamente tolerante, afinal, se ela tinha aprovação de 10%, o presidente tem de 28%!

Hoje não há uma só pessoa que saia às ruas contra a pilhagem praticada pelo presidente e seus asseclas.

A grande imprensa até critica o capitão, mas o faz com muito cuidado para não deixá-lo muito irritado, já que não quer Lula, e a terceira via se demonstrou um bolo sem fermento. Vai com o inominável mesmo e espera recompensa no ano que vem.

As instituições, como o TCU, o TSE e o STF, até procuram tentar agir de acordo com as missões para a quais foram criadas, mas sentem medo, muito medo, pois não é possível viver confortavelmente quando se é ameaçado diariamente por gente cuja capacidade de ação não se consegue aferir com precisão. As milícias se espalharam pelo país como uma rede que pode fazer sua primeira grande vítima a qualquer momento. Lula também corre perigo.

Boa parte da população, de tanto sofrer nas mãos do tirano e todos os dias vê-lo falar sandices e cometer crimes, parece agora aceitar resignada e placidamente seu destino, talvez porque veja o favoritismo de Lula nas pesquisas como um “já ganhou”, só esperando para comemorar o resultado e começar a viver novos tempos.

O fato é que o país vive uma espécie de Síndrome de Estocolmo, acostumou-se e se adaptou ao tirano. E isso é ruim, muito ruim.

A intolerância de boa parte de nossa população, afinal, era só contra uma presidenta, mulher, republicana e correta, incapaz de qualquer reação mais dura, fora das quatro linhas da Constituição.

Mas, contra Bolsonaro, total tolerância.


domingo, 12 de junho de 2022

A fome, a saúde mental e a psicologia. Nós, psicólogos, devemos ser sujeitos políticos?

Por Jarbas Capusso Filho




“Vi ontem um bicho / Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos. / Quando achava alguma coisa, / Não examinava nem cheirava: / Engolia com voracidade. / O bicho não era um cão, / Não era um gato, / Não era um rato. / O bicho, meu Deus, era um homem.” - Manuel Bandeira


Vamos direto aos números, sem torturá-los: se em 2020 havia 19 milhões de pessoas passando fome diariamente, em 2022, este número aumentou, quase que dobrando. E cabe uma pergunta: Com precárias condições de moradia, desemprego, violência, falta de dinheiro, vulnerabilidades. Como manter-se sadio mentalmente diante de condições tão adversas? Hoje, segundo A rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, lançado nesta quarta-feira (8), cerca de 33,1 milhões de brasileiros passam fome atualmente. São pessoas que não sabem se vão comer, qualquer coisa, hoje. No mundo, a situação não é melhor. Em 18/05 António Guerres, secretário-geral da ONU, soltou um alertou terrível: temos um novo recorde no mundo, o da fome: o número de pessoas em insegurança alimentar severa duplicou de 135 milhões, (no período pré-pandemia), para 276 milhões atualmente. Ou seja, estamos caminhando muito rapidamente para uma crise humanitária sem precedentes na pós modernidade: a fome e suas consequências nos países em desenvolvimento.

Mas, hoje, quero concentrar os meus escritos neste Brasil da fome que vivemos, e convivemos, quase de forma apática. Os fatos: isolamento social, o medo do coronavírus e o número de mortes já foram, e são, gatilhos para o adoecimento mental: depressão e outras formas de sofrimento psíquico, emocional. Quem disse isso? A OMS - Organização Mundial da Saúde, nos alertou sobre esta epidemia (silenciosa) de saúde mental como uma “quarta onda” da pandemia. E esses números podem piorar? Sim, e muito! Para 125 milhões (números de brasileiros que vivem em estado de insegurança alimentar, hoje), a angústia é muito maior. A barriga vazia está diretamente relacionada às situações de desemprego, fome e falta de assistência médica. Resultado do abandono e descaso do Estado com essas populações.

Bem, como a proposta deste humilde artigo é tentar mostrar às intricadas intersecções da fome com a saúde mental, vamos à elas. Quando falamos de temas tão caros ao ser humano, como a fome, a inesperada perda do emprego ou o fim de politicas publicas como o programa contra a fome, praticamente destruída no governo Bolsonaro: “Os caminhos escolhidos para a política econômica e a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento ainda mais escandaloso da desigualdade social e da fome no nosso país”, diz Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede Penssan.

Quando falamos de sofrimento psíquico, emocional, podemos falar do sujeito e o sofrimento ancorado na fome. E quando o assunto é o sofrimento causado pelas desigualdades sociais e apobreza, vamos combinar: isto não é uma novidade no Brasil. O país tem a maior taxa de transtorno de ansiedade no mundo.. Enquanto 3,6% da população mundial sofre de ansiedade; no Brasil, o transtorno atinge 9,3% da população.O fato é: Deficiências nutricionais, influenciadas por fatores sociais, econômicos e/ou políticos, podem afetar a saúde mental das pessoas. A pobreza extrema, e a fome, podem influenciar no surgimento ou na piora de problemas como doenças psicopatológicas como transtorno de ansiedade, depressão, bipolaridade, esquizofrenia, transtorno obsessivo compulsivo e doenças degenerativas como o Alzheimer. "As pessoas pensam que eu sou louca, mas eu não sou. Sou só revoltada [...] Eu queria comer alface, queijo, cenoura, beterraba, essas coisas que as outras pessoas comem" (Maria Cleonice, 22 anos, entrevistada por Guibu)

“A fome é a maior violência que se pode submeter um ser humano e nenhuma calamidade pode desagregar a personalidade humana tão profundamente e em um sentido tão nocivo quanto a fome. Eu sou a própria fome! Sou a fome personificada, porque a fome não está apenas no meu corpo, mas ela está na minha alma, na minha genética, na minha ancestralidade, portanto ela está em todas as dimensões da minha existência." - Nilson Lira Lopes, militante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) no Rio Grande do Sul, na apresentação da obra intitulada “Mas, se a gente é o que come, quem não come nada some! É por isso que ninguém enxerga essa gente que passa fome”. Demorou. Mas o Brasil, em 2014, saiu do Mapa da Fome. Mas, já em 2018, regrediu aos seus piores índices desde 2004. De acordo com Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), a maior agência humanitária da ONU, o Brasil caminha passos largos para voltar a ter a fome muito presente em seu território.

E as crianças? Hoje, no país, somente 26% das crianças atendidas pelo SUS fazem três refeições por dia em 2021 – no ano anterior, este índice foi ainda menor, de apenas 21%. Essas  crianças podem desenvolver, na vida adulta, uma série de distúrbios psicológicos. Uma em cada três crianças está com anemia no Brasil neste momento. “Nos primeiros anos, o cérebro faz mais conexões do que em qualquer outro período da vida. São de 700 a 1.000 conexões por segundo. Aos 3 anos, o cérebro de uma criança é duas vezes mais ativo do que o de um adulto”, explica a consultora de primeira infância do Unicef, Pia Britto. As famílias dessas crianças sentem os impactos de uma politica econômica perversa. A inflação está aumentando em progressão geométrica, os empregos formais deixaram de existir e, com eles, garantias como saúde e vale refeição, o preço da cesta básica cresceu assustadoramente e o salário-mínimo não acompanha as necessidades básicas dessas famílias.

Temos um enorme desafio pela frente: acabar com a fome e a miséria do pais e lidar com, talvez, muitas gerações de pessoas adoecidas mentalmente por terem sido privadas de suas necessidades mais básicas. Os profissionais de saúde mental têm um papel fundamental neste desafio. Prevenir, esclarecer e tratar desse tema tão caro aos brasileiros. Sim, aqui politica e psicologia se misturam num fenômeno de resistência e esclarecimento. A psicologia, creio muito nisso, é um agente transformador de um ambiente árido e órfão do Estado. Terapia não mata a fome! Teoria não acaba com a miséria. Mas quando nos transformamos em sujeitos que fazem circulamos às vozes, nos tornamos, antes de tudo, cidadãos. Ou enfrentamos e denunciamos essa tragédia, ou toda a nossa formação será apenas um canudo na gaveta dos omissos da nossa trágica história!


Jarbas Capusso é psicólogo clínico e palestrante

 


sábado, 11 de junho de 2022

Globo perdida no mato sem cachorro

Por Fernando Castilho



Após a deblaque do ex-juiz, a emissora do Jardim Botânico ficou sem opção. O jeito foi esconder Bolsonaro do Jornal Nacional e terceirizar as críticas ao governo para seus escalões inferiores


O histórico de atuações políticas da Rede Globo, destinadas a ganhar dinheiro enquanto mantém seus espectadores distraídos e pobres, vem de longa data.

A empresa participou ativamente do golpe de 1964, atuou explicitamente para que Fernando Collor derrotasse Lula nas eleições de 1989, conclamou o povo para sair às ruas para derrubar a presidenta Dilma Rousseff, sem que esta tivesse cometido crime algum, atuou fortemente para a condenação e prisão do ex-presidente Lula e inflou até onde pode a candidatura do capitão que por enquanto ocupa o Palácio do Planalto.

Os irmãos Marinho apostaram que, se eleito, o governo do capitão retribuiria seus esforços com benesses de todo tipo, o que não aconteceu.

O Jornal Nacional passou então a atacar o presidente logo no começo de seu mandato, mas um forte recado seu feito em um vídeo teve o condão de fazer com que a Vênus Platinada recuasse.

Os ataques se transformaram em críticas gerais ao governo poupando o capitão. Mesmo durante a maior crise da pandemia, percebemos que, mesmo se empenhando ao máximo, se Dilma ou Lula fossem os presidentes, haveria chamadas de hora em hora atacando suas atuações no combate à Covid 19.

Isso ninguém poderá negar.

A Rede Globo passou a investir fortemente na candidatura de Sergio Moro à presidência da República.

Após a deblaque do ex-juiz, a emissora do Jardim Botânico ficou sem opção. O jeito foi esconder Bolsonaro do Jornal Nacional e terceirizar as críticas ao governo para seus escalões inferiores. Foi o que aconteceu quando estourou o escândalo dos pastores do MEC. Embora o ministro da Educação tivesse citado o presidente como o responsável pela ordem de beneficiar os pastores, a emissora não deu nome ao boi.

Mas o capitão agora a ameaça com bravatas afirmando que não renovará sua concessão. Lógico que a Globo sabe que a renovação virá com certeza, mas vejam que isso é mil vezes pior do que a regulação da mídia que o PT de Lula defende.

Com Paulo Guedes, a empresa tem ganhado muito dinheiro e gostaria que isso continuasse, mas se o país afundar economicamente com a reeleição, isso também será ruim para ela, afinal, vive de anunciantes que já começam a registrar perdas devido à queda abrupta do poder de consumo dos brasileiros. Um PIB fraquíssimo não interessa a ninguém.

Quer dizer, com Bolsonaro não dá, mas com Lula também não. Então, resta investir agora em Simone Tebet, a salvação da lavoura.

Não, Tebet não decolará. A eleição será definida por Lula, que vem mantendo o primeiro lugar há meses, e Bolsonaro, embora tudo indique o ex-presidente vencerá ainda no primeiro turno.

A Globo ficará perdida no mato sem cachorro.

 

 

 

 


quinta-feira, 9 de junho de 2022

Bolsonaro e a solidão que se aproxima

Por Fernando Castilho



Há gente que, mesmo estando desempregada e passando fome, ainda crê no que o capitão fala, embora essas crenças venham diminuindo a cada dia


Os ratos procuram se enfiar em locais em que humanos não consigam encontrá-los.

Pode ser num esgoto longe das luzes das cidades, pode ser dentro de nossas casas, numa parede de um sótão ou porão esquecidos há anos.

Eles podem entrar e sair com toda desenvoltura nas horas em que estamos dormindo, mas se um filhote teimosamente entrar num minúsculo buraco, pode ser que nunca mais saia dele, ainda mais se tiver um tempinho pra crescer ali dentro.

O presidente Jair Bolsonaro se meteu em um desses buracos.

Seu discurso, recheado de mentiras, preconceitos, ódio e saudoso da ditadura, inflamou um relativamente grande número de ratos que estavam escondidos no esgoto. Há quem, apesar das mais de 670 mil mortes pelas quais foi responsável, direta e indiretamente, ainda o admire.

Há gente que, mesmo estando desempregada e passando fome, ainda crê no que o capitão fala, embora essas crenças venham diminuindo a cada dia.

Há também quem não se importe em ver um presidente não trabalhar, participando de motociatas e passeios de jet-ski enquanto famílias perdem todos seus bens em grandes enchentes. São os fechados com Bolsonaro.

Mas as eleições se aproximam e o distanciamento nas pesquisas de opinião entre Lula e o embusteiro que governa o país vem se mantendo, o que indica que ele perderá a disputa, quiçá no primeiro turno.

Para tentar reverter a situação, Bolsonaro teria que ampliar seu eleitorado, mas caiu na armadilha que o tornou prisioneiro de seu discurso imutável.

Só lhe resta uma tentativa de golpe, mas mesmo isso, vem se mostrando extremamente difícil.

O pior para ele é que, como escrevi já há vários meses, os candidatos a governadores e deputados federais de sua base aliada estão dando sinais inequívocos de descolamento de seu chefe, principalmente nos colégios eleitorais onde Lula nada de braçada.

Se o sujeito pretende mesmo se eleger, não há como manter sua imagem ligada a do capitão. Já há quem esteja até se bandeando para o lado de Lula. Quase nenhum de seus ex-ministros endossa mais o discurso do presidente.

Em São Paulo, o candidato alienígena ao governo, Tarcísio de Freitas já fala em governar respeitando o ex-presidente, caso este se eleja.

Rodrigo Garcia, também candidato ao governo de São Paulo, embora do PSDB, também já demonstra certa simpatia com a chapa do PT.

Na Bahia, ACM Neto também já flerta com Lula, embora esteja em primeiro lugar na preferência do eleitorado.

Esse fenômeno de debandada dos aliados de Bolsonaro, daqui pra frente só aumentará, na medida em que se aproxima o primeiro turno.

O ímã maior sempre atrai mais limalha de ferro que o menor.

Lula cada vez mais agregará políticos em torno dele e o isolamento político de Bolsonaro se tornará cada vez mais evidente.

Veremos se isso se refletirá em próximas pesquisas.


Também publicado em Jornal GGN

Bolsonaro e a solidão que se aproxima, por Fernando Castilho - G (jornalggn.com.br)