Por Fernando Castilho
Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil |
Ficou
surpreso ao passar a receber nos finais do ano visita de vários parentes que
não via há anos, vindos do Nordeste, de avião. Veio até a vovozinha com quase
90 anos. Esse povo tá ficando abusado!
Juracélio,
vindo família de migrantes nordestinos, ingressou cedo no Bradesco como contínuo.
Inspirado
em seu fundador, pretendia seguir o exemplo de meritocracia dado por Amador
Aguiar que, de simples contínuo como ele, chegou a ser banqueiro.
Jerecélio
não sabia, em seus 16 anos, que Aguiar havia aplicado um desfalque no banco em
que trabalhara e, com o dinheiro, fundado seu próprio banco. Quando lhe
contaram, deu de ombros e não acreditou.
Quando
eclodiu em 1985 a maior greve dos bancários, Jerucélio a furou e se apresentou
orgulhoso ao trabalho, certo de que vestindo a camisa, sua almejada promoção
seria alcançada. Não veio.
Jarecélio
furou não só essa, mas todas as greves subsequêntes, pois isso era coisa de
comunista vagabundo. Vão trabalhar que seu suor será recompensado, bradava.
Mas
Jaracélio nunca recusou os aumentos de salário conquistados pelos grevistas. Pelo
contrário, sua vida com isso melhorou e logo ele pôde comprar seu primeiro
carrinho.
Veio
a campanha à presidência de Collor e Juricélio foi um dos primeiros a se
definir a favor do moço bonito, caçador de marajás que, claro, era
infinitamente superior àquele sapo barbudo de meia furada e analfabeto chamado
Lula. Fez até boca de urna.
Jucerélio
tinha uma boa graninha depositada na caderneta de poupança do próprio
banco. Perdeu. Tendo sua economia confiscada por Collor, seguiu firme e,
mesmo depois que soube que a diretoria do banco, avisada pelo presidente antes dos
correntistas, tratou de salvar o dela, continuou a defender o patrão.
O
tempo passou e veio Fernando Henrique.
Jecerélio
se sentiu em sua zona de conforto, afinal o ''príncipe'' estava seguindo o
conselho do capital e, numa fúria louca, vinha privatizando tudo quanto era
estatal.
Então os bancos alegaram dificuldades financeiras.
Ôpa!
Para Jecerílio isso era mortal. Se o patrão estava em dificuldades, teria que
ser auxiliado, pois disso dependia seu emprego.
Jacecélio
respirou aliviado e soltou até fogos para comemorar o socorro que FHC deu aos
bancos com recursos do BNDES.
Mas
veio a era Lula, o que Jucecélio mais temia.
O
Brasil iria para o fundo do poço guiado por um analfabeto e, como ele, veja só,
nordestino! Quanta audácia! Tudo que conquistara seria perdido. Esse governo
não podia dar certo.
E
não deu. Para ele.
Embora
nesse período a vida de Jaricélio tivesse melhorado bastante, afinal ele
conseguira comprar sua casinha e o segundo carro financiado, nunca admitiu que
seriam as políticas de governo acertadas que lhe propiciaram essas conquistas.
Tudo teria sido somente fruto unicamente de seu esforço, enfim recompensado.
Em
seguida, Dilma foi eleita e Jurecélio enfim foi promovido a gerente de agência.
Ficou
surpreso ao passar a receber nos finais do ano visita de vários parentes que
não via há anos, vindos do Nordeste, de avião. Veio até a vovozinha com quase
90 anos. Esse povo tá ficando abusado, pensou.
Jucerélio
se aposentou como gerente.
Não
conseguiu, apesar de seu esforço, nada além disso. Não conseguiu ser diretor ou
banqueiro como Amador Aguiar, seu ídolo.
Recebeu,
à saída, um cartão de agradecimento padrão com assinatura impressa de um
diretor de RH do banco, que nunca vira. Mas tava bom. Fora reconhecido.
Bastava.
Sentiu-se
realizado.
Com
muito sacrifício, segundo ele, formou um filho pelo PROUNI e teve a mais velha
no Ciências sem Fronteiras. Muito orgulhoso.
Enfim,
Jurecélio, sem ter muito o que fazer na vida, resolveu fazer política.
Passou
a comparecer à todas as manifestações a favor do impeachment de Dilma e da
volta da ditadura militar. Ele achava que o melhor período do Brasil foi sob a
ditadura, embora ainda fosse uma criança quando se deu o golpe.
Foi um
dos batedores de panela. Quando Dilma foi derrubada, fez um churrasco quase
solitário.
Em 2018
fez arminha com as mãos e votou orgulhoso em Bolsonaro.
Quando
começou a pandemia, acreditando que a Covid-19 não passava de uma gripezinha, como
Bolsonaro a chamou em rede de televisão, Jiracélio não usou máscaras e contraiu
a doença. Ficou entubado por dois meses, conseguiu se recuperar, porém, não
dispensou a cloroquina, seguindo a orientação do presidente. Sua esposa não
teve melhor sorte, vindo a falecer no hospital.
A
vida de Jiracélio degringolou.
O
capitão bem que tentava melhorar a vida dos brasileiros, mas o maldito STF e a
esquerda não o deixavam governar. Só restava ao presidente aliviar o estresse
praticando jet-ski e participando de motociatas. As eleições serão fraudadas
para Bolsonaro não vender, pensava.
Logo
após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, Jaçurélio aproveitando um
ônibus fretado por um político bolsonarista, viajou para Brasília e ficou dois
meses acampado em frente ao quartel, tomando chuva e enfrentando com valentia
os fedorentos banheiros químicos colocados à disposição dos acampados por um empresário
do agronegócio. Afinal, valia qualquer coisa para ajudar Bolsonaro a voltar ao
poder.
Apesar
das privações, valia a pena aguardar, pois o general Braga Netto havia pedido
para terem paciência, pois nos próximos dias teriam boas notícias.
No
dia 7 de janeiro de 2023, Jaracélio recebeu com euforia e alívio a convocação
para comparecer no dia seguinte à Praça dos Três Poderes. Lá, a República seria,
com apoio do exército, derrubada. O Congresso e o STF seriam fechados e uma
nova ordem seria determinada por Bolsonaro que, mesmo fora do país comandaria
as ações. O capitão não abandonaria os seus!
Jiricélio,
porém, não contava com a rápida ação do novo governo.
Acabou,
aos 70 anos, preso e virou réu no STF.
Caberá
a seu filho, formado advogado graças ao PROUNI, defendê-lo.
Há milhões de Jorocélios no Brasil.