Por Fernando Castilho
Ilustração: Gustave Doré
Quando Mauro Cid delatar seus companheiros de crimes, os estará traindo. Na Divina Comédia de Dante Alighieri, vemos que está reservado o nono e último círculo do inferno aos traidores, portanto a traição seria o pecado mais grave de todos.
O
tenente-coronel Mauro Cid decidiu, enfim, fazer delação premiada a ser avaliada
pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A
imprensa lavajatista agora nos alerta, cinicamente, para o risco de Moraes
repetir as ações de Sergio Moro e Deltan Dallagnol.
Lembramos
que Moro e Dallagnol espremiam prisioneiros até obterem a delação que
almejavam. Foi assim com Leo Pinheiro, dono da OAS.
Pinheiro
fora preso e, para poder sair precisava delatar Lula como proprietário do
tríplex do Guarujá, porém, em seu depoimento, afirmou que o atual presidente
não tinha nada a ver com o imóvel. Somente tinha ido visitá-lo, mas como não
gostou, desistiu da intenção de compra.
Moro
mandou Pinheiro para o xilindró de novo.
Meses
depois, pressionado a delatar, Pinheiro, em novo depoimento, disse que Lula era
o dono do apartamento sem apresentar uma única prova. Hoje sabemos que o
empresário mentiu para sair do inferno da prisão.
Mas
o que é, para nós, leigos em direito, o instituto da delação premiada?
Vamos
começar pelos filósofos da corrente utilitarista, Jeremy Benthan e John Stuart
Mill que pregavam que toda ação teria justificativa caso se destinassem ao
bem-estar das partes afetadas, neste caso, a elucidação dos crimes.
Por
este prisma, a delação premiada se justifica juridicamente porque pode ter o
poder de jogar luz nos crimes praticados por uma quadrilha e prender seu
possível líder, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Porém,
na outra mão se encontra uma questão ética difícil de se aceitar.
Sempre
ensinamos, ou devíamos ensinar, nossos filhos a serem éticos. Isso significa
não ser dedo-duro, não trair a confiança de seus amigos. Muitos presos
políticos dos tempos da ditadura, como Dilma Rousseff, por exemplo, sofreram
torturas cruéis, mas nunca delataram seus companheiros. Isso é ser ético.
Quando
Mauro Cid delatar seus companheiros de crimes, os estará traindo. Na Divina
Comédia de Dante Alighieri, vemos que está reservado o nono e último círculo do
inferno aos traidores, portanto a traição seria o pecado mais grave de todos.
Mas esse
traidor será PREMIADO! Esta é a questão.
Alguém
só delata seus companheiros se não for inocente, portanto, Cid é culpado.
Portanto, Cid é bandido como os outros, mas poderá receber um prêmio: a redução
de talvez dois terços de sua pena.
Uma
sociedade que premia um bandido que ainda por cima trai seus companheiros de
crime não pode ser dita como sã. Há problemas éticos insuperáveis nisso.
Mas
voltemos a Benthan e Stuart Mill.
Embora
antiética, essa delação, caso chegue ao mandante do crime e tenha o poder de
puni-lo, será útil para toda a sociedade. Vamos dar o devido desconto a isso,
então.
Porém,
não será essa delação a condenar Jair Bolsonaro pelo seu crime maior, o de, por
ação e omissão, ceifar as vidas de centenas de milhares de vítimas da Covid-19.
Para
esse crime, como já afirmei antes, não há pena proporcional.
E
você, o que acha?
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