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domingo, 1 de setembro de 2024

7 de setembro terá encontro de escorpiões no carro de som.

Por Fernando Castilho



Havia dois escorpiões num galhinho que flutuava num rio.

O tempo passava e nada do galhinho aportar nas margens.

De repente, os dois escorpiões sentiram ferroadas ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo também, perguntaram um ao outro: por que me deste uma ferroada? Os dois, como num jogral, responderam: porque é da minha natureza.

Dia 7 de setembro haverá manifestação convocada por Silas Malafaia pelo impeachment e pela prisão de Alexandre de Moraes. Bolsonaro afirmou que ia; depois cancelou a ida; em seguida, cancelou o cancelamento.

Durante a semana, Malafaia e Pablo Marçal protagonizaram verdadeira batalha nas redes sociais. Um falou verdades para o outro. O outro falou verdades para o um. A sujeira é muito grande dos dois lados.

Ao ser indagado por Marçal se poderia comparecer, Bolsonaro disse que não via problema algum porque o evento seria suprapartidário. Portanto, Marçal vai.

Valdemar Costa Neto, o dono do PL de Bolsonaro, ficou uma fera porque seu candidato e, teoricamente, o do capitão à prefeitura de São Paulo, é Ricardo Nunes. Valdemar também já não vê sentido em pagar 60 mil reais de salário para o bozo, já que este não consegue emprestar prestígio aos candidatos do PL Brasil afora.

No carro de som, portanto, deverão estar Bolsonaro, Nunes, Marçal e Malafaia.

Já sabemos que, muito provavelmente, Bolsonaro ficará calado para não ser preso, afinal, pedir impeachment e prisão para ministro do STF é crime de obstrução de justiça.

A presença de Marçal no carro de som deverá levar milhares de pessoas pela pura curiosidade em saber qual será a polêmica que ele levantará. Ou qual será a mentira. E será a grande chance do coach para derrubar Nunes e fazer com que Bolsonaro traia Valdemar e passe para seu lado.

Aquele espaço no carro de som é o galhinho flutuando pelo rio. Só que nesse galhinho não há somente dois escorpiões.

7 de setembro será um dia de fortes emoções.


quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

A hora mais infame

Por Marcílio Godoi


Assisti à votação do impeachment de Dilma de pé, no Vale do Anhangabaú. A chuva que se armou não caiu naquele fim de tarde. Eu estava sozinho, não suportei ficar em casa e me plantei ali, num daqueles taludes, olhando o telão. Em volta, de olhos vermelhos, a cada vergonhoso voto, sob um sentimento cívico de devastação total, havia uma atmosfera de execução sumária no ar. E o povo mais calava que cantava. Era um pessoal simples, muita gente dos sindicatos, dos movimentos sociais, dos partidos, das escolas de periferia, todos, um por um, criminalizados covardemente ao longo do processo que parecia ter ali o seu cruel, ultrajante desfecho. Mas que, como sabemos hoje, era apenas o início do desmonte de uma nação soberana.

Na avenida Paulista estava tendo um luxuoso convescote, eu soube pela internet. Carros de som, bandas de música, trio elétrico com farta e eufórica distribuição de mentiras e bandeiras nacionais. Mas ali onde eu estava, não. Sob o belo Viaduto do Chá não se via sequer uma camiseta da seleção. E em cada "Não" dos bravos deputados resistentes ao golpe, inutilmente, desconfiávamos, vibrávamos como num gol.

O clima ameno da noite contrastava com a tortura a que éramos submetidos a cada um dos votos em que bandidos, aliviados pela certeza da impunidade, brandiam a falácia da limpeza ética em discursos inflamados pelo Lawfare da farsa a jato, o que veio a se confirmar depois. Muitas vezes eu tirava os olhos do telão e corria-os pela expressão de cada um ali, tentando me socorrer da esperança deles diante do absurdo daquela cena: um corrupto profissional presidindo uma sessão para roubar o mandato de uma mulher eleita, sem nenhuma prova contra ela.


Bizarro, incongruente, injusto era pouco. Talvez surreal ou kafkiano se aproximassem mais do i-lógico explícito e manipulado daquilo tudo. No alto-falante ao meu lado pediam para se apresentar algum advogado que pudesse livrar da prisão um militante já no camburão. O roteiro faria Dalí, Buñel e Lorca se sentirem ingênuos.

Às vezes eu tinha ganas de gritar ‘Não!’, não os merecidos ‘Não!’ ao dito impedimento, ou o ‘Não!’ à desfaçatez e à mentira dos deputados, mas o 'Não!' do 'Eu não posso mais estar aqui!', pois já sentia que aquilo era uma forma de pactuar com o linchamento parlamentar ignominioso, a pantomima, o esquartejamento em praça pública, eu pensava, já em modo beckett-insano. Baixei a cabeça, de olhos fechados. Nessa hora, uma senhora me perguntou se eu estava me sentindo bem. Não, eu não estava. E ela me ofereceu água.

Eu assistia àquele desfile insano de deputados clamando por deus, filhos, pais, mulheres, maridos, sempre precedidos do pronome 'meu'. Misturavam Olavo de carvalho, Foro de São Paulo, Venezuelalização e Simon Bolívar à
palavras-chaves dramaticamente postas à esmo como Família, Cidadania, Democracia e Estado Democrático de Direito para empacotar tudo no individualismo meritocrático-egocêntrico que sobrepunha interesses pessoais, sectários, religiosos e paroquiais ao Nacional, sentido anterior a tudo naquela casa, o motivo de existir daquele Congresso, que rasgava ali, página por página, a Constituição Brasileira.

Suportei aquilo até o voto número 342 do 'sim'. Eu estava firme, apesar de tudo. Era o número mágico, 2/3 do Congresso Nacional. Aguentei os raivosos e injustificáveis ataques à honra e à honestidade da presidenta, aguentei infantilidades, os falsos-moralismos, melodramas, mentiras, armações. A hipocrisia, enfim, vazava do telão e escorria, com todos os trocadilhos possíveis, pelo ladrão.

Até que entrou um deputado e citou como seu herói o torturador assassino que, como todos sabem, enfiava ratazanas vivas na vagina das presas. Aí eu desabei.

Tirei meu bonezinho suado, guardei-o na mochila. Depois enrolei, não sem alguma vertigem, uma bandeirinha que eu havia comprado do mtst e fui-me embora, antes que terminasse aquele circo de horrores. Caminhava lentamente pela 23 de Maio, não queria me enfiar em metrô, ônibus ou táxi. Assim, vi a noite se instalar na imensa cobra verde do canteiro central da avenida. Era aniversário da minha filha, o mesmo dezessete de abril que, em 1996, quando ela nasceu, marcou o massacre de Eldorado dos Carajás. Eu estava triste que me doíam os ossos. Não tinha presente, mas prometi a ela um futuro, que eu não pararia de lutar por ele, até a verdade triunfar de novo.

 


quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Bolsonaro é o plano B da mídia

 Por Fernando Castilho


Durante todo o processo que culminou no impeachment de Dilma Rousseff, todos os veículos da grande imprensa, fato raro, se alinharam para depor a ex-presidenta.
Os ataques aconteciam dia sim, dia também. Qualquer coisa que ela fizesse ou falasse, eles estavam ali na marcação.
Dilma viabilizou a Copa do Mundo, apesar de todas as apostas em contrário, mesmo assim, a grande mídia influenciou a plateia que compareceu ao jogo de estreia no Itaquerão a vaiá-la e xingá-la.
Quando o MBL e outros grupelhos de direita organizaram manifestações contra ela, esses veículos chegaram a fazer propaganda do “evento” e a convocar as pessoas para comparecerem.
Enfim, a marcação era cerrada mesmo ela sendo honesta e bem intencionada, o que a coloca na posição totalmente oposta do governante ora de plantão.
A grande mídia vinha até atacando o capitão com certa frequência, mas está evidente que perdeu fôlego e passou a poupá-lo. Nas últimas semanas tirou o pé do acelerador.
O maior exemplo disso foi a edição de ontem do Jornal Nacional. Foram cerca de 15 minutos, ou até mais, de noticiário sobre a tragédia na Bahia, mostrando várias cidades destruídas, gente desabrigada e auxílio de ONGs que se dispuseram a entregar alimentos básicos para quem perdeu tudo.
Enquanto isso, o presidente pescava em Santa Catarina alheio a tudo. Mas o JN preferiu poupá-lo e esconder esse fato da população. Por quê?
Mostrar ao telespectador que o vagabundo que governa o país está pouco se lixando para as 500 mil pessoas desabrigadas teria um poder devastador contra ele e poderia baixar os índices de aprovação ainda mais. Além disso, um processo de impeachment, apesar de muito longe no horizonte de Arthur Lira, poderia começar a se desenhar, já que a debandada do centrão começa a se delinear.
Lula lidera com folga as pesquisas de intenção de votos e nada indica que o candidato preferido da grande mídia, Sérgio Moro, possa chegar com ele ao segundo turno.
Caso a debandada do centrão cresça e a candidatura de Lula se torne ainda mais encorpada, quem iria com ele para um possível segundo turno? Claro, o Capitão Morte.
Mas Lula não seria um presidente muito melhor para o país que o vagabundo que está de férias? Para mim, para você, para o povo pobre, com certeza. Mas, e para a mídia que vive de patrocinadores que apoiam o capitão? E para os bancos que estão faturando muito alto com essa crise? E para os rentistas?
Se Lula e Bolsonaro chegarem ao segundo turno, o plano B desse pessoal é o Capitão Morte mesmo.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Como um homem de bem conseguiu sobreviver à era Lula-Dilma

Por Fernando Castilho





Ficou surpreso ao passar a receber nos finais do ano visita de vários parentes que não via há anos, vindos do Nordeste, de avião. Veio até a vovozinha com quase 90 anos. Esse povo tá ficando abusado!


Para que ninguém que eu conheça se sinta atingido pelo nome, o personagem em questão se chamará Jurecélio.

Todo o resto poderá atingir em cheio um monte de candidatos possíveis a Jurecélio.

Ele ingressou cedo no Bradesco.

Inspirado em seu fundador, Juracélio pretendia seguir o exemplo de meritocracia dado por Amador Aguiar que, de simples contínuo, chegou a ser banqueiro.

Jerecélio não sabia, em seus 16 anos de, que Aguiar havia aplicado um desfalque no banco em que trabalhara e, com o dinheiro, fundado seu próprio banco.

Decidi não destruir seus sonhos.

Quando eclodiu em 1985 a maior greve dos bancários, Jerucélio furou todas e se apresentou orgulhoso ao trabalho, certo de que vestindo a camisa, sua almejada promoção seria alcançada.

Não deu.

Jarecélio furou não só essa, mas todas as greves, pois isso era coisa de comunista vagabundo. Vão trabalhar que seu suor será recompensado, bradava.

Mas Jaracélio não recusou os aumentos de salário conquistados pelos grevistas.

Pelo contrário, sua vida com isso melhorou e logo ele pode comprar seu primeiro carrinho.

Veio a campanha de Collor e Juricélio foi um dos primeiros a se definir a favor do moço bonito, caçador de marajás que, claro, era infinitamente superior àquele sapo barbudo de meia furada e analfabeto chamado Lula.

Jucerélio tinha uma graninha depositada na caderneta de poupança do próprio banco. Perdeu. Sua economia fora confiscada por Collor, porém ele nunca admitiu que a diretoria do banco já havia sido avisada antes da medida e sacou tudo que tinha. Ele amava o patrão.

O tempo passou e veio Fernando Henrique.

Jecerélio se sentiu em sua zona de conforto, afinal o ''príncipe'' estava seguindo o conselho do capital e, numa fúria louca, vinha privatizando tudo quanto era estatal.

Os bancos alegaram dificuldade financeira.

Ôpa! Para Jecerílio isso era mortal. Se o patrão estava em dificuldades, teria que ser auxiliado pois disso dependia seu emprego.

Jacecélio respirou aliviado e soltou até fogos para comemorar o socorro que FHC deu aos bancos com recursos do BNDES.

Veio a era Lula, o que Jucecélio mais temia.

O Brasil iria para o fundo do poço guiado por um analfabeto e, como ele, nordestino. Tudo o que conquistara seria perdido. Esse governo não podia dar certo.

E não deu. Pelo menos para ele.

Embora nesse período a vida de Jaricélio melhorasse bastante, afinal ele conseguira comprar sua casinha e o segundo carro financiado, nunca admitiu que seriam as políticas de governo acertadas que lhe propiciaram essas conquistas. Tudo fora fruto unicamente de seu esforço, enfim recompensado.

Dilma foi eleita e Jurecélio enfim foi promovido a gerente de agência.

Ficou surpreso ao passar a receber nos finais do ano visita de vários parentes que não via há anos, vindos do Nordeste, de avião. Veio até a vovozinha com quase 90 anos. Esse povo tá ficando abusado!

Jucerélio se aposentou como gerente.

Não conseguiu, apesar de seu esforço, nada além disso. Não conseguiu ser banqueiro.

Recebeu, à saída, um cartão de agradecimento impresso com assinatura também impressa de um diretor de RH do banco, que nunca vira. Mas tava bom. Fora reconhecido. Bastava.

Sentiu-se realizado.

Com muito esforço, segundo ele, acaba de formar um filho pelo PROUNI e tem a mais velha no Ciências sem Fronteiras. Muito orgulhoso.

Enfim, Jurecélio, agora sem ter muito o que fazer na vida, resolveu fazer política.

Passou a comparecer à todas as manifestações a favor do impeachment de Dilma e da volta da ditadura militar. Ele acha que o melhor período do Brasil foi sob a ditadura, embora ainda fosse uma criança quando se deu o golpe.

E em 13 de março estará na Paulista, vestindo uma camisa da seleção brasileira novinha em folha e exigindo a prisão do odiado sapo barbudo.

Boa sorte, Jurecélio.