Por Fernando Castilho
A ilustração fala mais que mil palavras
Jair Bolsonaro está preso na Superintendência da Polícia
Federal em Brasília e, para suprir sua ausência, a extrema direita precisou
improvisar: fizeram um boneco de papelão. Sim, um totem. Afinal, sem o “mito”
em carne e osso, não há culto. E sem culto, não há extrema direita. Daqui a
alguns meses, sem ele e sem pautas que interessem ao povo, o centrão pragmático
abandonará esse barco furado e correrá para o navio que realmente navega: Lula.
Foi por isso que Flávio Bolsonaro saiu de uma reunião com o
pai alardeando que havia sido ungido pelo mito para dar continuidade ao projeto
da família. Aqui, cabe um parêntese: Bolsonaro, mesmo preso, segue o manual de
Marcola e Fernandinho Beira-Mar: dar ordens de dentro da prisão como se
estivesse solto. E o STF, aparentemente, acha isso normal. Voltemos.
É claro que tanto pai quanto filho sabiam que, com o vasto
telhado de vidro de Flávio, sua candidatura não tinha como florescer. O anúncio
foi apenas uma jogada para abrir negociação, já que o nome preferido para a
sucessão de Seu Jair é Tarcísio de Freitas. Nos bastidores, a leitura é que o
acordo foi fechado: ofereceram as cabeças de Carla Zambelli (presa na Itália,
em vias de ser extraditada e cassada, perdendo seus direitos políticos por oito
anos) e Eduardo Bolsonaro (punido por faltas, mas sem perda de direitos). Em
troca, entrou em pauta, de forma sorrateira e relâmpago, para que não houvesse
tempo de manifestações nas ruas, o PL da Dosimetria. De brinde, a abertura do
processo de cassação de Glauber Braga, por ter chutado um militante do MBL que
insultava sua mãe. Dois pesos, duas medidas, como sempre.
Braga, inconformado, sentou-se por duas horas na cadeira da
presidência da Câmara e previu, diante de deputados surpresos: “Ainda hoje, um
de vocês me trairá.” Ah, não. Isso foi Jesus quem falou. Hugo Motta, que
tolerou a usurpação da mesa diretora pela extrema direita por 48 horas,
ordenaria sua retirada à força pela Polícia Legislativa. Acertou. Mas ninguém
imaginava a violência desproporcional que feriu a ele e a vários deputados que
lhe davam apoio. De quebra, Motta, o mesmo que evocou Ulisses Guimarães em seu
discurso de posse, mandou cortar o sinal da TV Câmara, expulsar jornalistas e,
como se nada tivesse acontecido, colocou projetos em votação, incluindo o PL da
Dosimetria. Ouviu os discursos indignados com cinismo, sem esconder sorrisos.
Motta está deslocado no tempo. Deveria tentar a sorte em 1968.
Este é o resumo da situação: o PL da Dosimetria foi
aprovado, como se esperava, e segue para o Senado. Lá, Davi Alcolumbre, que não
hesita em prejudicar o país para se vingar do governo por não ter emplacado
Rodrigo Pacheco no STF, já prometeu votação célere. E pode passar.
O projeto altera artigos do Código Penal para reduzir penas
dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado. Os bagrinhos já fizeram acordo
ou cumpriram pena. Portanto, o alvo real são as lideranças: o totem Jair
Bolsonaro e seus generais. Até os que planejaram assassinar Lula, Alckmin e
Moraes no chamado Plano Punhal Verde-amarelo. Pelo texto, Bolsonaro poderia
deixar o regime fechado em apenas 2 anos e 4 meses. Em prisão domiciliar,
montaria um QG do Golpe em casa, coordenando novas ações. Quem sabe uma nova
tentativa, sem incorrer nos mesmos erros, daria certo daqui a alguns anos?
Se aprovado, Lula provavelmente vetará. A Câmara derrubará o
veto. Restará a possibilidade de algum partido representar uma ADI ao STF. Mas,
ao contrário do PL da Anistia, a inconstitucionalidade aqui é nebulosa. Três
ministros: Nunes Marques, André Mendonça e Luiz Fux, já sabemos que não veriam
problema. Gilmar Mendes alertou: abrir a porteira da dosimetria é escancarar a
anistia. E Sóstenes Cavalcanti profetizou que ela vem ano que vem. Um
Judiciário refém do Congresso será engolido por ele.
A Constituição prevê separação e harmonia entre os poderes.
Harmonia pressupõe diálogo. É hora de Lula e Fachin chamarem Hugo Motta e
perguntarem: Qual é a sua? Quando a água bater na sua bunda, vai fazer o
quê?
Enquanto isso, cabe ao povo ocupar as ruas, como fez contra
a PEC da Bandidagem.
Ulisses Guimarães já dizia: deputado só tem medo das ruas.