Por Fernando Castilho
Túmulo do soldado desconhecido, em Moscou. (Foto: Vladvictoria/Pixabay) |
Os assessores do capitão sempre temeram muito que ele cometesse alguma gafe, tipo cachorrinho quando levanta a patinha e faz xixi na perna do anfitrião
O presidente Jair Bolsonaro, aquele que em visita aos Estados Unidos de Donald Trump, bateu continência à bandeira norte-americana, seguindo à risca as orientações do filho Carluxo e do ex-chanceler Ernesto Araújo, originárias das “aulas” do astrólogo Olavo de Carvalho, queria ver o diabo, mas não a Rússia e a China, tidas como nações comunistas.
Mantendo a coerência, jamais pisaria por aquelas terras vermelhas que impregnariam seus sapatos capitalistas.
Mas bastou um convite, um apenas, de Vladimir Putin, e para lá foi célere o capitão.
Lógico que, para quem não gosta de trabalhar, visitar a Rússia acompanhado daquele séquito de sempre que inclui o ministro do turismo (ou ministro que só faz turismo), o filho Dudu e o deputado Hélio Negão e, poder passear, tirar fotos para a campanha irregular e torrar dinheiro do cartão corporativo secreto em compras milionárias, era muito tentador. Quem sabe, encontrar algum frango com farofa pra comer na Praça Vermelha?
Mas Putin mandou (a palavra é essa mesmo) reduzir a comitiva e incluir militares, aqueles mesmos que ainda defendem que a ditadura foi uma revolução popular e nos defendem do perigo comunista que nos espreita.
E para lá foram Bolsonaro, generais Ramos, Heleno e Braga Netto, acompanhados dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
O Capitão Morte, que se recusa a mostrar o comprovante de vacinação, teve que se sujeitar a usar máscara ao desembarcar e permanecer por 24 horas confinado a um quarto de hotel. Nem Macron, nem Scholz precisaram passar por isso.
No dia seguinte teve que se deslocar pela Praça Vermelha (Praça Vermelha, gente!) e comparecer ao monumento onde jazem alguns heróis comunistas da Segunda Guerra e visitar o túmulo do soldado desconhecido onde há uma pira sempre acesa sobre uma estrela. Ao fundo há um capacete de um soldado com a estrela, símbolo do regime comunista da União Soviética e ao lado, uma foice e um martelo, o ícone histórico máximo do comunismo no mundo inteiro. O protocolo exigia que prestasse uma homenagem ao monumento. E ele o fez. Olha o simbolismo disso!
Alan Santos/PR |
O que terá se passado nas cabeças do Capitão Morte e de seus generais nesse momento? Será que não pensaram que estavam no lugar errado? Será que não sentiram que estavam dentro de um inferno no qual nunca imaginaram entrar? Sentiram-se humilhados?
Confesso que eu, anti-Bolsonaro praticante, consegui sentir a humilhação.
Mas, por incrível que pareça, seus seguidores, não. Pelo menos não confessaram.
Expus essa indignação na página do Planalto no Facebook, mas fui chamado de burro porque não consegui entender a genialidade do presidente que teria dado um nó político e estratégico em Putin. Imaginem.
Mais tarde, Bolsonaro e Putin se reuniram por poucos minutos para a foto e o vídeo tradicionais que iriam para a imprensa.
Os assessores do capitão sempre temeram muito que ele cometesse alguma gafe, tipo cachorrinho quando levanta a patinha e faz xixi na perna do anfitrião.
Ele não decepcionou. Afirmou, sem que Putin solicitasse, que o Brasil é solidário a Rússia.
Solidário em quê, cara-pálida?
Por acaso a Rússia está enfrentando a fome, o desemprego, a alta dos combustíveis, a carestia em geral e o desgoverno, como o Brasil?
Ou será que se referiu ao impasse com a Ucrânia, o que seria mais grave?
Colocou o Brasil como apoiador da Rússia? Tomamos lado no conflito?
Na reunião marcada a acontecer com cada um dos presidentes sentando-se às extremidades daquela mesa gigante, outro enorme simbolismo, Bolsonaro só se fará acompanhar de um intérprete. Os assessores ficarão de fora cruzando os dedos para que ele não fale nenhuma bobagem costumeira, como piadinhas de mau gosto. Mas ele, novamente, não se conterá.
Imagino o seguinte diálogo:
Bolsonaro: ô Putin! Por acaso sua filha é chamada de filha do Putin? Hahahaha! Sacou? Filha do Putin!
O intérprete permanece calado e Putin pergunta o que o capitão falou. Ele só o cumprimentou, presidente. Esse é um costume brasileiro, diz ele.
Por mais que se especule, ainda é uma incógnita o motivo do convite de Putin a Bolsonaro.
Mas, se ele tencionava expor um líder fascista ao ridículo e à humilhação, já conseguiu, embora ainda haja mais acontecimentos por vir.
Que Bolsonaro e seus generais se exponham dessa forma à galhofa por parte de um dos maiores líderes mundiais, é problema deles.
Mas, arrastar também todos nós, o povo brasileiro, a nação brasileira, é inaceitável.
Imagem: Evaristo Sá/AFP |