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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A galhofa mundial a que Bolsonaro nos expõe

Por Fernando Castilho


Túmulo do soldado desconhecido, em Moscou. (Foto: Vladvictoria/Pixabay)


Os assessores do capitão sempre temeram muito que ele cometesse alguma gafe, tipo cachorrinho quando levanta a patinha e faz xixi na perna do anfitrião

O presidente Jair Bolsonaro, aquele que em visita aos Estados Unidos de Donald Trump, bateu continência à bandeira norte-americana, seguindo à risca as orientações do filho Carluxo e do ex-chanceler Ernesto Araújo, originárias das “aulas” do astrólogo Olavo de Carvalho, queria ver o diabo, mas não a Rússia e a China, tidas como nações comunistas.

Mantendo a coerência, jamais pisaria por aquelas terras vermelhas que impregnariam seus sapatos capitalistas.

Mas bastou um convite, um apenas, de Vladimir Putin, e para lá foi célere o capitão.

Lógico que, para quem não gosta de trabalhar, visitar a Rússia acompanhado daquele séquito de sempre que inclui o ministro do turismo (ou ministro que só faz turismo), o filho Dudu e o deputado Hélio Negão e, poder passear, tirar fotos para a campanha irregular e torrar dinheiro do cartão corporativo secreto em compras milionárias, era muito tentador. Quem sabe, encontrar algum frango com farofa pra comer na Praça Vermelha?

Mas Putin mandou (a palavra é essa mesmo) reduzir a comitiva e incluir militares, aqueles mesmos que ainda defendem que a ditadura foi uma revolução popular e nos defendem do perigo comunista que nos espreita.

E para lá foram Bolsonaro, generais Ramos, Heleno e Braga Netto, acompanhados dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

O Capitão Morte, que se recusa a mostrar o comprovante de vacinação, teve que se sujeitar a usar máscara ao desembarcar e permanecer por 24 horas confinado a um quarto de hotel. Nem Macron, nem Scholz precisaram passar por isso.

No dia seguinte teve que se deslocar pela Praça Vermelha (Praça Vermelha, gente!) e comparecer ao monumento onde jazem alguns heróis comunistas da Segunda Guerra e visitar o túmulo do soldado desconhecido onde há uma pira sempre acesa sobre uma estrela. Ao fundo há um capacete de um soldado com a estrela, símbolo do regime comunista da União Soviética e ao lado, uma foice e um martelo, o ícone histórico máximo do comunismo no mundo inteiro. O protocolo exigia que prestasse uma homenagem ao monumento. E ele o fez. Olha o simbolismo disso!

Alan Santos/PR

O que terá se passado nas cabeças do Capitão Morte e de seus generais nesse momento? Será que não pensaram que estavam no lugar errado? Será que não sentiram que estavam dentro de um inferno no qual nunca imaginaram entrar? Sentiram-se humilhados?

Confesso que eu, anti-Bolsonaro praticante, consegui sentir a humilhação.

Mas, por incrível que pareça, seus seguidores, não. Pelo menos não confessaram.

Expus essa indignação na página do Planalto no Facebook, mas fui chamado de burro porque não consegui entender a genialidade do presidente que teria dado um nó político e estratégico em Putin. Imaginem.

Mais tarde, Bolsonaro e Putin se reuniram por poucos minutos para a foto e o vídeo tradicionais que iriam para a imprensa.

Os assessores do capitão sempre temeram muito que ele cometesse alguma gafe, tipo cachorrinho quando levanta a patinha e faz xixi na perna do anfitrião.

Ele não decepcionou. Afirmou, sem que Putin solicitasse, que o Brasil é solidário a Rússia.

Solidário em quê, cara-pálida?

Por acaso a Rússia está enfrentando a fome, o desemprego, a alta dos combustíveis, a carestia em geral e o desgoverno, como o Brasil?

Ou será que se referiu ao impasse com a Ucrânia, o que seria mais grave?

Colocou o Brasil como apoiador da Rússia? Tomamos lado no conflito?

Na reunião marcada a acontecer com cada um dos presidentes sentando-se às extremidades daquela mesa gigante, outro enorme simbolismo, Bolsonaro só se fará acompanhar de um intérprete. Os assessores ficarão de fora cruzando os dedos para que ele não fale nenhuma bobagem costumeira, como piadinhas de mau gosto. Mas ele, novamente, não se conterá.

Imagino o seguinte diálogo:

Bolsonaro: ô Putin! Por acaso sua filha é chamada de filha do Putin? Hahahaha! Sacou? Filha do Putin!

O intérprete permanece calado e Putin pergunta o que o capitão falou. Ele só o cumprimentou, presidente. Esse é um costume brasileiro, diz ele.

Por mais que se especule, ainda é uma incógnita o motivo do convite de Putin a Bolsonaro.

Mas, se ele tencionava expor um líder fascista ao ridículo e à humilhação, já conseguiu, embora ainda haja mais acontecimentos por vir.

Que Bolsonaro e seus generais se exponham dessa forma à galhofa por parte de um dos maiores líderes mundiais, é problema deles.

Mas, arrastar também todos nós, o povo brasileiro, a nação brasileira, é inaceitável.

Imagem: Evaristo Sá/AFP



Publicado também em Piauí Hoje
https://piauihoje.com/blogs/e-o-que-eu-acho/a-galhofa-mundial-a-que-bolsonaro-nos-expoe-391765.html

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Por que odiamos a Rússia?

Por Fernando Castilho


Foto: Sputnik/Kremlin via Reuters


"Se a Ucrânia se juntar à OTAN e tentar recuperar a Crimeia por meios militares, os países europeus serão arrastados para uma guerra contra a Rússia, na qual não haverá vencedores.”


A Rússia está a um passo de invadir a Ucrânia! É o que as agências ocidentais de notícias, replicadas pela nossa imprensa, divulgam todos os dias.

O país remanescente da comunista União Soviética estaria sedento por invadir outros países e anexá-los porque... bem, porque Vladimir Putin, seu presidente, é um homem mau.

Vejam o que afirmou a porta-voz do governo Joe Biden: “a Rússia é um país conhecido por invadir outros”. Não, na verdade, são os Estados Unidos que são conhecidos por invadir outros. A lista é enorme.

Mas para tentar entender o que está acontecendo é preciso voltar aos tempos da Guerra Fria.

Para combater o comunismo, os Estados Unidos, junto com outros países da Europa, criaram a OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, enquanto a União Soviética, que compreendia muitos países comunistas, se organizaram no Pacto de Varsóvia.

De lá pra cá muita coisa mudou. O muro de Berlim foi derrubado e as duas Alemanhas se juntaram numa só; A União Soviética se fragmentou em vários países independentes e ela própria deixou de ser comunista, passando a ser uma democracia federal, baseada num sistema de Estado de Direito sob a forma de República.

Com o tempo, alguns outros países fronteiriços, como Polônia, República Tcheca, Hungria, foram aderindo à OTAN, fazendo com que ela se aproximasse cada vez mais da Rússia, acendendo um alerta amarelo.

Seria perfeitamente natural que esses países aderissem e passassem a desfrutar do comércio com a União Europeia, mas o que está acontecendo é uma união de caráter militar.

O risco colocado por Putin é o da aproximação e cerco militar cada vez maior a seu país. Ele ilustra muito bem ao perguntar se os Estados Unidos aceitariam de bom grado que a Rússia colocasse armas na Venezuela ou em Cuba, países muito próximos dos americanos.

No dia 7 de fevereiro Putin recebeu o presidente da França, Emmanuel Macron e durante a coletiva para a imprensa francesa, falou o mais francamente possível.

"Se a Ucrânia se juntar à OTAN e tentar recuperar a Crimeia por meios militares, os países europeus serão arrastados para uma guerra contra a Rússia, na qual não haverá vencedores.”

Embora tenha afirmado que o potencial militar da OTAN não possa ser comparado com o da Rússia, Putin lembrou que seu país é uma das maiores potências nucleares.

"Perguntem a seus leitores se eles querem combater a Rússia.

Não haverá vencedores.

Vocês serão arrastados para esse conflito contra sua vontade.

Vocês nem terão tempo de piscar antes de começarem a cumprir o artigo 5º do Tratado de Roma."

O que diz esse artigo?

Artigo 5º Crimes da Competência do Tribunal 1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:

a) O crime de genocídio;

b) Crimes contra a humanidade;

c) Crimes de guerra;

d) O crime de agressão.

2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas.

Não se trata aqui de defender Putin, um homem homofóbico e autoritário, uma espécie de Bolsonaro inteligente, porém, verdadeiramente patriota. Trata-se de tentar compreender os acontecimentos à luz do outro lado, ou seja, o da Rússia.

Na semana passada um submarino norte-americano foi interceptado pela marinha russa em águas daquele país, uma provocação de Biden.

O presidente norte-americano diz que não quer guerra e que procura negociar, mas, na verdade, usando Macron como escudo, tem interesse no conflito e trabalha nos bastidores para isso, já que uma guerra agora, com o poder de fogo que a OTAN ostenta, teria o poder de dar uma alavancada na supremacia americana no mundo, ameaçada pela China.

Faltou só combinar com os chineses que estão propensos a se aliar com a Rússia.

Se isso acontecer, Biden recuará por medo de ser o responsável histórico pelo maior conflito mundial de todos os tempos.

É sempre muito salutar pesquisar em várias fontes para poder entender o mínimo da geopolítica na região e se definir por um lado num possível conflito.

Além disso, uma dose de empatia sempre ajuda.

 

imagem:Thibault Canus/pool via Reuters