Por Fernando Castilho
Desde a madrugada, apoiadores de Jair Bolsonaro tentaram, sem sucesso, se aproximar do STF. Às 4h30, havia um grupo grande de bolsonaristas aglomerado em frente a uma barreira de 50 policiais que os contiveram.
O assunto 7 de setembro de 2021, o dia da primeira tentativa de golpe, ainda não se esgotou e é preciso que não seja esquecido pela justiça brasileira.
Vamos
relembrar os terríveis fatos que ocorreram naquele dia para embasar a tese de
que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional foram no mínimo
pusilânimes ao não agirem em conjunto para conter a grande ameaça ao regime
democrático que, por pura sorte, não se concretizou.
A
manifestação realizada na manhã da terça-feira (7/9) na Esplanada dos
Ministérios reuniu cerca de 105 mil pessoas, segundo estimativa da Polícia
Militar do Distrito Federal. O ato contou com cidadãos vindos de diversas
partes do Brasil. Na ocasião, inicialmente, as principais reivindicações do
grupo foram a adoção do voto impresso e a destituição de ministros do STF, o
que já era gravíssimo, mas não foi visto como uma tentativa de golpe de estado.
Desde
a madrugada, apoiadores de Jair Bolsonaro tentaram, sem sucesso, se aproximar
do STF. Às 4h30, havia um grupo grande de bolsonaristas aglomerado em frente a
uma barreira de 50 policiais que os contiveram. Vendedores ambulantes,
entretanto, permaneceram no local comercializando produtos, como bandeiras,
água e camisetas.
Caminhoneiros
vindos de todo o país conseguiram entrar na Esplanada dos Ministérios causando
forte tensão e criando um clima perigoso de confronto. A própria mídia noticiou
em tempo real as pessoas chegando à Esplanada, mas em nenhum momento ligou o
fato a uma tentativa golpista.
Pela
manhã, o capitão sobrevoou a Esplanada em helicóptero militar, acompanhado de
ministros do governo e do deputado federal Eduardo Bolsonaro. O mandatário
acenou para os manifestantes que pediam intervenção militar, enquanto a
aeronave passava pela Praça dos Três Poderes e pela Esplanada dos Ministérios,
fato gravíssimo que, por si só, já demonstrava as intenções golpistas do
capitão.
Bolsonaro
desfilou ainda pelas ruas em uma caminhonete aberta e depois discursou aos
apoiadores em tom de ameaça: “[O Judiciário] pode sofrer aquilo que não
queremos”.
“Juramos
respeitar a nossa Constituição. O ministro específico do STF perdeu as
condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal. Não podemos continuar
aceitando que uma pessoa específica continue paralisando a nossa nação. Não
podemos aceitar. Ou esse poder [Judiciário] pode sofrer aquilo que nós não
queremos. Sabemos o valor de cada poder da República”, assinalou. Estava claro
que o capitão ameaçava Alexandre de Moraes e tentava insuflar seus seguidores
para, num crescendo, criar as condições para um golpe.
Grupos
então tentaram romper os bloqueios montados para proteger o STF e o Palácio do
Itamaraty. Grades de isolamento foram derrubadas, e houve confusão e registro
de um ferido no confronto. A Polícia Militar do Distrito Federal precisou
usar spray de pimenta para conter os manifestantes. E conseguiu.
Bolsonaro
afirmou que iria se reunir com o Conselho da República no dia seguinte.
Compete ao conselho pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e
estado de sítio; e questões relevantes para a estabilidade das instituições
democráticas. O anúncio da convocação, entretanto, surpreendeu autoridades, mas
não houve uma reação por parte da mídia e das instituições a essa fala
claramente golpista.
Os atos de apoio a Bolsonaro, por intervenção militar e contra o STF foram organizados em diversas cidades Brasil afora e tudo foi mostrado pelas TVs.
Mas
a maior parte dos manifestantes se concentrou em São Paulo com caravanas vindas
de diversos locais do país. Segundo a estimativa oficial da Secretaria de
Segurança Pública de São Paulo, passaram cerca de 125 mil manifestantes pela
avenida Paulista naquele domingo.
Foi em
São Paulo que Bolsonaro elevou o tom de golpismo, que já estava presente em seu
discurso em Brasília. Ele questionou a urna eletrônica e as eleições, citou
novamente o voto impresso (que já havia sido rejeitado pelo Congresso) e disse
que não poderia "participar de uma farsa como essa patrocinada pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".
"Só
saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei
preso."
Bolsonaro
criticou o então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, sem citá-lo
nominalmente. "Não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai
dizer que esse processo é seguro, usando a sua caneta para desmonetizar páginas
que criticam esse sistema de votação", disse ele, em referência a decisões
da Justiça contrárias a bolsonaristas que espalharam notícias falsas sobre as
eleições.
"A
paciência do nosso povo já se esgotou! Nós acreditamos e queremos a democracia!
A alma da democracia é o voto! E não podemos admitir um sistema eleitoral que
não oferece segurança", afirmou Bolsonaro.
Bolsonaro
concentrou suas críticas ao STF na figura do ministro Alexandre de Moraes, que havia
determinado na segunda-feira (5/9) a prisão de apoiadores do capitão que
publicaram ameaças ao tribunal e a seus membros.
"Não
podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três
Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais
prisões políticas no nosso Brasil", disse Bolsonaro.
"Ou
o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não
queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder
da República", completou Bolsonaro, conclamando o presidente do STF, Luiz
Fux, a interferir nas decisões de Moraes, algo que seria inconstitucional.
Em
São Paulo, o capitão citou Moraes nominalmente e o chamou de
"canalha", dizendo:"não posso mais admitir" que ele
"continue açoitando o povo brasileiro."
Bolsonaro
jogou suas cartas naquele 7 de setembro de 2021. Se houvesse um bom número de
Mantovanis dispostos a bater em Barroso e Moraes, o golpe poderia ter se
concretizado.
O
ex-presidente estava decidido a dar a ordem, mas a não deu porque já devia ter
sido informado pelo alto comando do exército que, caso os milhares de
Mantovanis presentes em Brasília e nas capitais do país partissem para as depredações
a exemplo do que os golpistas fizeram em 8 de janeiro de 2023, seriam contidos
e não haveria adesão das forças Armadas.
O
que aconteceu em seguida? Aos poucos, muitos seguidores e pessoas que
compareceram ao que deveria ser uma festa cívica de comemoração ao Dia da
Independência, perceberam o que estaria por vir, sentiram medo, ficaram
decepcionados e foram se retirando. À tarde, em Brasília, havia menos da metade
do público presente pela manhã. A tentativa de golpe foi frustrada.
No
final da tarde veio o grande espetáculo da vergonha.
Bolsonaro,
alertado por seus generais mais próximos, Ramos, Braga Netto e Heleno, de que o
golpe havia fracassado e que, em retaliação, Alexandre de Moraes poderia mandar
prender o 02, Carluxo, decidiu, por intermédio de Michel Temer, escrever uma
carta ao ministro, a quem havia pela manhã chamado de canalha, para pedir-lhe
desculpas.
Olha,
eu poderia ter um ídolo na mais alta conta, mas, caso ele tomasse uma atitude
como essa, trataria de execrá-lo na hora. Infelizmente, a patuleia que ainda
seguia seu Jair, absorveu resignadamente a vergonha e tudo foi esquecido no dia
seguinte. Preferiram achar que tudo fazia parte de uma estratégia de seu mito. Nem
o Conselho da República foi reunido, como prometeu Bolsonaro.
Após
aquele episódio, resta o “se”.
Se o
capitão tivesse conseguido dar o golpe em 7 de setembro de 2021, não teríamos
tido eleições em 2022 e Lula estaria preso ou até morto. Luís Barroso e
Alexandre de Moraes poderiam estar presos. O STF, fechado com um cabo e um
soldado e os parlamentares não bolsonaristas, cassados e presos. Parte dos
jornalistas da grande mídia e da mídia alternativa, presos ou exilados. E
teríamos, não 4 anos de governo do capitão, mas uma ditadura sem prazo para
acabar.
Mas,
se as instituições tivessem reagido mais fortemente, talvez Bolsonaro tivesse
sido deposto e preso já naquele dia - o que seria o mais correto – e a
tentativa de golpe de 8 de janeiro nem ocorresse. O Brasil teria sido poupado
de mais um ano de desgoverno. Mas uma reação forte não tivesse sido possível
porque faltava, à época, a forte liderança de um presidente eleito democraticamente,
como Lula.
Portanto,
para encerrar, Bolsonaro não deve ser condenado pelo crime que dizimou milhares
de vidas na pandemia, somente. Ele tem que ser preso por tentar o golpe já naquele
21 de setembro de 2021!
Que
o STF não fraqueje diante da enxurrada de ações que estão tramitando.
Que
a velha característica de nosso povo de colocar uma pá de cal sobre o assunto e
virar a página, não seja cogitada desta vez.
E
que não se hesite em dar a esse golpista que tanto mal fez ao país, a pena
máxima.