Por Fernando Castilho
Enquanto o Brasil ainda disputava o título da Copa, as notícias davam conta de que Neymar havia concluído a negociação para a compra de um terceiro avião para sua frota.
A torcida da seleção japonesa de futebol novamente
surpreendeu o mundo ao fazer faxina no estádio após os jogos de seu time. Mas
não para este articulista que viveu por vários anos no país do sol nascente.
A equipe, chamada de Samurai Blue, embora tenha perdido o
jogo para a Croácia, não decepcionou os japoneses. Pelo contrário, seus
jogadores foram recebidos como heróis.
Para compreender o gesto é preciso voltar séculos no tempo.
O tempo dos samurais.
Esses guerreiros seguiam um rígido código de conduta moral
chamado de Bushidô (o caminho do guerreiro) que acabou por influenciar a
maneira de viver da população em geral.
Com o fim da classe samuraica e a importação de valores
ocidentais no começo do século 20, o Japão entra numa crise moral que
desestrutura a sociedade até o fim da Segunda Grande Guerra.
Para se proceder ao “milagre” japonês de reconstrução do
país foi necessário resgatar os valores do Bushidô, principalmente os que dizem
respeito preponderância do bem coletivo ao individual, o respeito às leis, às
autoridades e ao outro.
Mas foi preciso que o Estado desse o primeiro exemplo para
conquistar o coração do povo japonês. Esse grande exemplo foi tomar medidas
para proporcionar alimentação para todos através de uma ampla reforma agrária
que tirou as terras produtivas das mãos de uma minoria que controlava os preços
do arroz e do trigo e possibilitando que milhares de pequenos agricultores
começassem a produzir em grande escala barateando assim esses alimentos
básicos.
Além do Bushidô, o espírito de Gambaru se sobressai no povo
japonês desde a tenra idade. Gambaru não tem uma tradução que consiga
transmitir com exatidão a força do termo, mas podemos dizer que se trata de dar
o melhor de si, numa entrega às vezes até dolorosa.
Assim, quando uma criança sai para ir à escola, seus pais
lhe dizem: “gambatte!” (forma imperativa). Ou seja, “dê o melhor de si!”
Esse termo é usado no início de uma jornada de trabalho,
quando um soldado sai em uma missão, quando um executivo tem que expor um
projeto para a empresa ou quando a seleção de futebol entra em campo.
A torcida também entra nesse espírito. Basta ver que ela não
para um segundo de entoar seus cânticos, principalmente o “Nippon, Nippon,
Gambarê Nippon!” (Japão, Japão, vamos japão!)
Os jogadores japoneses são como os brasileiros. Jogam em
clubes da Europa, gostam de luxo, carrões e roupas caras e são celebridades em
seu país. Mas as semelhanças param por aí.
Uma vez convocados para o Samurai Blue, o foco é total nas
vitórias e nas conquistas. Não há notícia de jogadores japoneses flagrados em
restaurantes comendo carne revestida de ouro. Eles ficam concentrados.
Enquanto o Brasil ainda disputava o título da Copa, as
notícias davam conta de que Neymar havia concluído a negociação para a compra
de um terceiro avião para sua frota.
Vinícius Jr. Havia iniciado uma batalha judicial com a Nike,
sua patrocinadora para encerramento de seu contrato porque a empresa lhe
fornecia chuteiras de um modelo ultrapassado.
Todas essas questões extracampo não existem para os
jogadores japoneses.
Isso explica o motivo de nossa seleção não ter sido recebida
com grande entusiasmo na volta para o Brasil. Ficou aquele gostinho de que
poderia ter feito mais, pois é nos momentos de derrota que certos fatos são
rememorados como erros na convocação e nas substituições, preparo técnico para
suportar a pressão de um adversário no final do jogo, preparo técnico e
psicológico para cobrança de pênaltis e ostentação em restaurantes enquanto
grande parte da população passa fome.
Quem assistiu e acompanhou o desempenho do time japonês
certamente percebeu que ele lutou muito e só perdeu porque não era o melhor.
Mas cada jogador deu o melhor de si e, por isso, todos foram recebidos como
heróis.
É esse o Bushidô e o espírito de Gambaru.