Por Fernando Castilho
A desproporção penal brasileira
A
pena para homicídio qualificado no Brasil varia de 6 a 30 anos de reclusão.
Trata-se de um crime grave, que atinge diretamente uma vítima individual. No
entanto, quando se observa a legislação referente à tentativa de golpe de
Estado, a desproporção salta aos olhos: a sanção prevista é de apenas 4 a 12
anos. Essa discrepância revela uma falha estrutural do sistema penal
brasileiro, pois o golpe de Estado não é um crime comum. Ele ameaça toda a
coletividade, suprime direitos fundamentais, destrói instituições e coloca em
risco a vida de milhares de pessoas.
Recentemente,
Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos de reclusão por diversos crimes, pena
que pode ser reduzida a 20 anos caso o chamado “PL da Dosimetria” seja
aprovado. A ironia é que, se fosse apenas pela tentativa de golpe, a punição
seria inferior à de um homicídio isolado. Ora, o golpe de Estado, se
concretizado, inaugura um regime de exceção em que opositores são perseguidos,
presos e torturados, assassinatos políticos são cometidos com ocultação de
cadáveres, a imprensa é censurada e a população privada de informação. Os
livros de história, reescritos sob a ótica do regime, registram apenas uma
“mudança necessária” para preservar a democracia e as instituições. Não há
eleições livres, e o ditador governa pelo tempo que desejar, podendo transferir
o poder a alguém de confiança, como um filho. O regime se perpetua até que uma
revolução o derrube, e como a repressão é violenta, o resultado costuma ser uma
conflagração nacional com milhares de mortes.
Em
diversos países, a tentativa de golpe é tratada como crime gravíssimo. A
Constituição alemã prevê penas severas para atentados contra a ordem
democrática, podendo chegar à prisão perpétua. Na Espanha, a tentativa de
subverter o Estado é punida com até 30 anos de reclusão. Chile e Argentina,
após suas ditaduras, endureceram suas legislações contra conspirações
golpistas, reconhecendo o caráter coletivo e devastador desse tipo de crime. O
Brasil, ao manter penas brandas, transmite a mensagem de que atentar contra a
democracia é menos grave do que ceifar uma vida individual.
A
tentativa de golpe de Estado deveria ser considerada a mãe de todos os crimes.
Mais grave que o homicídio, porque ameaça milhões de vidas e destrói o pacto
social. A pena mínima deveria ser multiplicada, chegando a 50 anos de reclusão,
para que o golpista tenha tempo de refletir atrás das grades e, sobretudo, para
desestimular futuros aventureiros. A democracia não pode ser tratada como bem
de menor valor. Se o homicídio qualificado merece até 30 anos de prisão, a
tentativa de golpe de Estado deveria ser punida com muito mais rigor. Só assim
o Brasil deixará claro que não tolera ataques à sua ordem constitucional e que
a liberdade coletiva vale mais do que qualquer ambição autoritária.
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