terça-feira, 27 de outubro de 2015

Simone o quê?

Por Fernando Castilho


A educação dos jovens dos países que adotam o sistema capitalista serve para prepará-los para serem os reprodutores e continuadores desse sistema. Assim, os futuros profissionais de nível superior resolverão, cada um em sua área, os problemas de quem detém o modo de produção ou de quem chegou lá, como dizem.

Engenheiros, médicos e advogados construirão, curarão e processarão e defenderão a quem possa lhes pagar bem, alimentando seu sonho de ascensão social que um dia, enfim, poderá realizado.

A relação custo-benefício que está no bojo da Teoria do Utilitarismo de Jeremy Bentham é que costuma ditar ao jovem, mesmo sem ele ter consciência disso, como será sua vida profissional após a faculdade. Útil ao sistema.

As escolas, notadamente as particulares, que preparam os alunos prioritariamente para passar no vestibular, não se preocupam em dar a importante formação intelectual que lhe possibilite refletir, discutir, argumentar, debater, questionar e discordar. Filosofia e Sociologia são disciplinas secundárias em relação à Matemática ou a Física, estas sim, necessárias à criação de tecnologia e bens de consumo.

Por isso ficamos indignados ao ver casos de estudantes de medicina humilhando e estuprando colegas.

A universidade deve ser encarada como espaço de produção intelectual e dela devem sair, além dos profissionais de praxe, historiadores, filósofos, sociólogos, etc., que pensarão e refletirão sobre a vida do ser humano preparando-o para o futuro, dentro de uma perspectiva histórica.

E também por isso a surpresa do ENEM deste ano.

Jovens que talvez preferissem que o tema para redação fosse algo como ''Como manter a produção de automóveis em tempos de crise'' ou ''O que esperar do próximo modelo de i-phone'', foram pegos de surpresa por um tema sobre o qual talvez não tenham refletido ou sequer discutido em rodas de amigos, nos cursinhos ou em casa: o feminismo e a violência contra a mulher.

Quem foi Simone de Beauvoir, que teve um trecho de um livro de 1949 citado para desenvolver o tema?

Talvez alguém já tenha lido isso no Facebook, já que costuma circular por lá, mas desenvolver esse tema é esforço de raciocínio e reflexão.

Muitos candidatos saíram reclamando, deputados ficaram irados e até a mídia ficou um tanto indignada.

Não deveriam.

A garotada teve um espaço único para pensar sobre um assunto que talvez não tenha merecido sua atenção até então. Alguns talvez tenham ''entrado no jogo'' do ENEM, tentando emitir opiniões contrárias à sua própria misoginia e exaltando os direitos da mulher. Outros talvez já tenham discussão acumulada sobre o tema e outros ainda, talvez tenham se revoltado com o assunto e chutado o balde. Espero que as moças tenham, algumas delas vítimas também de violência, preconceito e humilhação, tido seu dia de redenção.

Os deputados conservadores que sempre revelam seu ódio contra a mulher, preferiram ao invés disso atacar o exame, simploriamente chamando-o de petralha. Pobreza.

E a mídia teve a dura missão de, fazendo malabarismo, tentar criticar a prova sem ofender as mulheres.

O feminismo e a violência contra as mulheres não agrega ao consumo ou aos bens de produção, portanto não faz o jogo do capitalismo e da direita. O que vão fazer com isso? Lucrar?

Porém, embora majoritariamente a esquerda se preocupe com o tema, é certo também que homens de esquerda misóginos se encontram aos montes, portanto, que ninguém reivindique para si esse monopólio que deve fazer parte da evolução da humanidade, quer conservadores queiram ou não.

Outra contribuição que o tema ofereceu à Educação está no fato de que no próximo ano os colégios devem se debruçar sobre outras temáticas menos ''utilitárias'', o que poderá ser fator importante de combate à tendência fascista que tentam todos os dias incutir em nossos jovens.

Espero que o ENEM do próximo ano avance ainda mais e possibilite a reflexão sobre outros temas como homofobia e aborto, por exemplo. Ou até mesmo o fascismo.

Até lá.




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