quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

E chamaram a isso de direito divino à propriedade

Por Fernando Castilho



Foto: @MídiaNINJA




Leis foram criadas para defendê-los.
E eles passaram a ter esse Direito. 
E chamaram a isso de direito divino à propriedade.


Ano 10000 a.C. Um dia de sol.

Um Homo Sapiens saiu rotineiramente para coletar e caçar quando se deparou com uma área de vegetação abundante, fértil. Lá havia tubérculos, verduras, frutas e até trigo.

Resolveu dar um tempo em seu nomadismo e ficar por ali mesmo.

Logo percebeu que naquele solo bastava jogar algumas sementes ou cavar alguns buracos e enfiar umas mudinhas que em pouco tempo tudo se multiplicava.

Estava inventada a agricultura. E com ela, a propriedade.

Logo em seguida forasteiros iriam querer comer daquilo que ele plantara. Era natural para eles, afinal, a terra nunca tivera dono.

Mas o Sapiens que cercou a área reagiu com violência.

Começava aí um período difícil para a Humanidade.

Se antes não havia porquê brigar, afinal, não havia posses, agora era uma guerra de todos contra todos.

Foi preciso que um terceiro elemento fosse criado para intervir nos conflitos: o Estado. O leviatã.

Ao longo do tempo, até os dias de hoje, o Estado ficou do lado daqueles que, como o primeiro Sapiens, cercou um pedaço de terra e se afirmou como proprietário.

Leis foram criadas para defendê-los.

E eles passaram a ter algo que foi chamado de Direito. Direito à propriedade. Direito divino à propriedade.

Não há dúvida de que, quem nasce hoje, praticamente já tem em seu DNA esse conceito pronto.

Ensinamos isso aos nosso filhos.

O sistema ensina isso aos nossos filhos.

E eles também lutarão por esse direito.

E defenderão esse direito. Afinal, ser contrário a esse direito é ser comunista, lhes ensinamos.

E ficarão do lado de quem tem esse direito.

Mesmo que essa pessoa não plante nada na terra.

Mesmo que essa pessoa não crie nenhum animal nesse terreno.

Mesmo que essa pessoa não construa nada que possa de alguma forma contribuir para a Humanidade nessa propriedade.

Mesmo que a terra permaneça vazia por 30 anos. Sem uso.

E quando aqueles que, como o antigo Sapiens, não conseguiram cercar nenhum pedacinho de terra para plantio, constroem um barraquinho nesses terrenos são expulsos violentamente pelas forças da Lei.

E quando outros que haviam há décadas construído suas moradias em terrenos que um dia cercaram nos rincões distantes do Brasil, acabaram expulsos de lá por gente poderosa e tiveram como única opção construir seus barracos em um terreno não ocupado durante 30 anos, foram desalojados de lá pela polícia que defende o direito de propriedade.

Homens, mulheres, crianças, bebês de colo, idosos, doentes, deficientes, mais de 3000 pessoas, todos jogados nas ruas de São Paulo como lixo humano, escória de uma sociedade que se julga eugênica, mas ela própria, a verdadeira escória cheirosa.


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