Por Fernando Castilho
Aquilo era diferente de tudo o que já tinha ouvido. Não entendia a letra, mas a música parece que dava uma indicação do que se tratava.
Ainda
me lembro muito bem, já que acontecimentos que mexem conosco de maneira forte
tendem a permanecer na memória.
Era
o ano de 1968 e eu tinha 14 anos apenas.
Não
era na época ligado em música, muito menos nos Beatles, de quem havia apenas ouvido
falar. A televisão não era uma mídia forte como é hoje e a Internet com suas
redes sociais não existia. Em casa meu pai tinha uma vitrola com vários LPs de
cantores como Frank Sinatra, Nat King Cole e Ray Charles, mas nada de rock,
muito menos dos Beatles.
Mas
na escola havia um frenesi entre os alunos sobre a banda e rumores de que uma
nova e impactante canção tinha sido lançada. Quem traria a novidade era um disc-jóquei
(não confundir com os atuais DJs) gordinho chamado Big Boy em seu programa
noturno.
Naquela
época as novidades musicais demoravam a chegar ao Brasil, já que era preciso
importar os discos.
Influenciado
pelos colegas, decidi levar pra cama o radinho de pilha de meu pai. Sintonizei
na rádio e conheci, afinal a voz empolgante do Big Boy com seu bordão, Hello,
crazy people! A todo momento ele anunciava que tocaria em primeira mão a mais
nova e incrível música dos Beatles, mas o tempo passava e nada. A estratégia
era fazer prender a atenção dos ouvintes durante uma hora aumentando a expectativa
para a apoteose final.
E
chegou a hora de ouvir Hey Jude.
Aquilo
era diferente de tudo o que já tinha ouvido. Não entendia a letra, mas a música
parece que dava uma indicação do que se tratava.
Foi
como se a pressão atmosférica combinada com a gravidade de repente começasse a
pressionar meu coração até ele se tornar tão apertado que parecia querer sair
pela boca.
Enfim,
veio o famoso refrão meio hipnótico “na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-Hey Jude”.
A música simplesmente não acabava. Aproximadamente 7 minutos de gravação!
Depois
que o programa acabou foi difícil pegar no sono. No dia seguinte teria que
conhecer essa banda e a professora de Inglês facilitou isso ao utilizar em suas
aulas LPs do grupo para que ouvíssemos e tentássemos traduzir as letras.
Passaram-se
décadas depois disso. Os Beatles se separam em 1970 e seguiram com suas
carreiras solo. John Lennon foi assassinado em 1980, mais tarde, Yoko Ono em
1994 entregou a Paul McCartney algumas fitas demo do marido para que ele e os
remanescentes as aproveitassem para lançar como músicas dos Beatles. Free As
Bird e Real Love foram aproveitadas e lançadas na coletânea Beatles Anthology,
mas Now and Then, pela má qualidade da gravação, foi descartada. Linda
McCartney faleceu em 1998 e George Harrison em 2001. Uma legião de fãs
acompanhou a banda durante 60 anos!
Escrevo
tudo isso para ilustrar como, não só eu, mas toda uma geração dos anos 60,
fomos “capturados” pelos Beatles. Quem pertence às gerações que se sucederam
dificilmente compreenderá esse tipo de sentimento.
E
eis que a tecnologia de Inteligência Artificial resolveu o problema da gravação
de Now and Then e McCartney, trabalhando nela com Ringo e aproveitando o violão
gravado de Harrison em 1994, a transformou na última música dos Beatles. Peter Jackson
se encarregou de produzir um clipe incrível.
Devido
às notícias e imagens que nos chegam todos os dias da guerra entre Israel e Hamas,
tenho estado muito triste nas últimas semanas. Um misto de revolta, dor e
sofrimento pela empatia tem feito muito mal a minha sanidade mental. Por vezes,
senti o coração apertado e, ao ver imagens de crianças em meio aos escombros em
que Gaza vem se transformando, os olhos algumas vezes ficam marejados.
Por
isso, antes de assistir ao clipe de Now and Then, sentia que não seria justo me
emocionar por algo infinitamente menos relevante do que os acontecimentos na
Palestina. Seria alienação.
Mas
não teve jeito. Peter Jackson pegou pesado ao adicionar imagens dos Beatles
quando jovens às atuais de Paul e Ringo, acrescidas das de George em 1994.
Enquanto
a música rolava junto com o vídeo, 60 anos de fatos que aconteceram na minha
vida desfilaram em apenas 4 minutos e 35 segundos! Impossível dissociar a banda
da minha vida. Devo tê-la em meu DNA e não há como explicar a quem não viveu
isso.
Como
sempre, críticas estão aparecendo aqui e ali. Uma diz que Paul, movido pela
ganância em faturar, usou Lennon e os demais. Ora, um astro do rock com 81 anos,
detentor de uma fortuna estimada em 1,2 bilhão de dólares e que alcançou o
máximo da fama, estaria mesmo procurando faturar?
Outra
crítica afirma que se trata apenas de mais uma música de Paul e que nada tem a
ver com Beatles. Faltam ouvidos atentos e background a essa gente. No clipe de
Now and Then estão os elementos típicos das músicas dos Beatles, além de sutis
inserções de A Day in the Life, Norwegian Wood, Eleanor Rigby e Because.
Tem
gente também que se diz decepcionada por que esperava algo mais grandioso,
talvez incomodada pela mediocridade das músicas atuais. Acho que a música não
perfila entre as melhores de John. Realmente, nada tem a ver com Strawberry
Fields ou In My Life. Porém, o tratamento que foi dado a ela com arranjos de
Paul e de Giles Martin, lapidou um diamante bruto.
Fica
muito difícil aos críticos atuais, sem terem vivido aqueles anos, sem terem
sentido o que uma geração inteira vivenciou e se atendo somente a aspectos
superficiais como a técnica (ah, modificaram a voz do John!), compreenderem.
Para
encerrar, a imagem mais emocionante para mim é a do fade out no final do clipe.
Aquela imagem dos 4 Beatles que vai desaparecendo aos poucos, indicando que se
encerra definitivamente uma época, que o sonho acabou para sempre e que Now and
Then é realmente o canto de cisne da maior manda de rock de todos os tempos.
Canção do Novo Mundo
Por Beto Guedes e Ronaldo Bastos
Quem sonhou
Só vale se já sonhou demais
Vertente de muitas gerações
Gravado em nossos corações
Um nome se escreve fundo
As canções em nossa memória
Vão ficar
Profundas raízes vão crescer
A luz das pessoas
Me faz crer
E eu sinto que vamos juntos
Oh! Nem o tempo amigo
Nem a força bruta
Pode um sonho apagar
Quem perdeu o trem da história por querer
Saiu do juízo sem saber
Foi mais um covarde a se esconder
Diante de um novo mundo
Quem souber dizer a exata explicação
Me diz como pode acontecer
Um simples canalha mata um rei
Em menos de um segundo
Oh! Minha estrela amiga
Porque você não fez a bala parar
Oh! Nem o tempo amigo
Nem a força bruta
Pode um sonho apagar
Quem perdeu o trem da história por querer
Saiu do juízo sem saber
Foi mais um covarde a se esconder
Diante de um novo mundo
Sempre me emociono com a Canção do Novo Mundo, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos (o letrista precisa ser creditado), com a qual você encerrou sua matéria. E sempre me pergunto, como é que pode, um canalha...
ResponderExcluirBem lembrado. Dei o crédito devido. Obrigado.
ExcluirOs anos sessenta realmente foram mágicos. Somente quem viveu naquela época é capaz de mensurar o impacto provocado pelo aparecimento dos Beatles.
ResponderExcluirHoje impera a mediocridade. Enquanto Hey Jude durava cerca de 7 minutos, hoje aquilo que chamam de música dura não mais que 2 ou 3 minutos. E se você reparar, os jovens não conseguem ouvir mais que o primeiro minuto. Já mudam de música. Não conseguem ouvir um álbum inteiro. Por isso, os hits são lançados individualmente. Por isso, também, o surgimento do TikTok de vídeos curtos. Tudo muito rápido. Tudo muito expresso. Sem tempo para reflexão.
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