''Em
meio à crise, pelo menos até agora, a sociedade brasileira dá
mostras de amadurecimento. Preciso acreditar que é a metade do copo
cheio. Perder esperança é fazer parte do jogo de políticos
canalhas, empresários desonestos e burocratas imbecis. Podem me
roubar muito, menos minha crença na possibilidade de um amanhã
melhor.''
Difícil
sempre determinar se a luz no fim do túnel é a esperança ou um
trem em rota de colisão conosco. Em meio a um período turbulento da
economia e da política tupiniquins, proponho reflexões breves:
01)
Corrupção é um fato histórico. Porém, estamos prendendo gente do
governo em exercício. Isto não é comum. Quando muito, prendiam-se
elementos do governo derrotado ou passado. Falta de ética era coisa
dos adversários. Agora, estão sendo presas pessoas do primeiro
escalão do poder em exercício, corruptos e corruptores.
Foram
presos um senador chefe do governo, um banqueiro, um empreiteiro que
é um dos homens mais ricos do país e uma ex-eminência parda do
atual governo. Sinal de fortalecimento das instituições
democráticas e da autonomia da Justiça e da Polícia Federal.
Falta
muita gente na cadeia, mas temos um sinal tênue de justiça no ar.
Pesquisa Datafolha: brasileiros consideram a corrupção o principal
problema do país.
Um
bom sinal...
02)
Houve uma decisão técnica, em si até defensável em SP: separar os
estudantes maiores dos menores nas escolas estaduais paulistas.
Houve
uma reação de alunos, pais e professores em dezenas de escolas.
Reclamam
dos prazos, dos critérios, do poder dos burocratas, das dificuldades
das transferências, das distâncias das novas escolas.
Ocuparam
escolas. Tornaram, de fato, a escola pública num espaço público...
Para
mim, com todos os problemas envolvidos, um sinal de que a política
ganhou novos espaços e de que o poder do Estado não é mais aceito
de forma automática.
Os
estudantes e professores estão recebendo e dando uma aula diferente.
Uma notícia pedagogicamente boa e politicamente extraordinária.
03)
Democracia não é a paz perpétua, nem a ética absoluta. Democracia
é um processo em construção, tumultuado como a própria vida e as
contradições da nossa sociedade.
Tudo
isto pode ocorrer agora porque não estamos na ditadura.
Em
meio à crise , pelo menos até agora, a sociedade brasileira dá
mostras de amadurecimento. Preciso acreditar que e a metade do copo
cheio. Perder esperança é fazer parte do jogo de políticos
canalhas, empresários desonestos e burocratas imbecis. Podem me
roubar muito, menos minha crença na possibilidade de um amanhã
melhor.
Falta
muito? Sim.
A
Samarco tenta esconder dinheiro da justiça para não pagar vítimas.
Houve
assassinatos em Mariana por negligência e os autores estão livres.
Corruptos
notórios ainda desfilam sorrisos livres pelos noticiários.
A
saúde é um caos e a segurança desaba em clima de guerra civil.
Falta
muito, mas hoje penso, otimista, que, pelo menos, não falta tudo,
falta apenas muito.
Temos
uma longa estrada pela frente, insuportável como as chamas da boate
Kiss da Santa Maria e lamacenta como Mariana, mas queremos andar, com
chamas por cima e lama por baixo...
Nós
queremos andar!
Leandro
Karnal é historiador, professor da UNICAMP na área de História da
América.
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