segunda-feira, 9 de maio de 2016

Cunha fora?

Por Gabriel Priolli


Charge: Aroeira

Eduardo Cunha construiu seu enorme poder nas sombras, das quais emergiu apenas em fevereiro de 2015, para presidir a Câmara. Sabe melhor do que ninguém os caminhos subterrâneos da política. Não precisa de exposição pública para agir.

É inteiramente justo o júbilo nacional pelo afastamento de Eduardo Cunha da Câmara dos Deputados. Mas será que ele é mesmo carta fora do baralho?

Juntemos os pontos:

1) Cunha não perdeu o mandato. Foi suspenso do exercício dele por tempo indeterminado, graças a uma inovação interpretativa, visto que a possibilidade não existe na Constituição. Segundo a BBC Brasil, “a suspensão dura até quando Zavascki entender que persistem os riscos de que o peemedebista use seu mandato para interferir nas investigações”.

2) Cunha não perdeu privilégios. O site Congresso em Foco diz que ele “continuará recebendo salário e outros benefícios garantidos aos deputados, que somam mais de R$ 160 mil por mês. Fora isso, seguirá com as garantias previstas para um presidente da Câmara, como ocupar a residência oficial, locomover-se em carro oficial e jato da Força Área Brasileira (FAB) e ter à sua disposição uma equipe de seguranças”.

3) As condições de trabalho para o deputado seguem excelentes. “Cunha receberá o salário de R$ 33,7 mil, a verba de R$ 35,7 mil para gastar com alimentação, aluguel de veículo e escritório, divulgação do mandato, entre outras despesas. Também estão assegurados os R$ 92 mil reservados para a contratação e manutenção de até 25 funcionários em seu gabinete de apoio. Não entram nessa conta os servidores que atuam por livre escolha do peemedebista na presidência da Câmara”.

4) Cunha controla uma bancada “pessoal” de, no mínimo 160 deputados, para cujas campanhas carreou recursos e dos quais conhece os podres.

5) O processo de Cunha no Conselho de Ética da Câmara, para cassação de seu mandato, foi instalado em 3 de novembro de 2015. Anda a passo de tartaruga, de protelação em protelação. Já é o mais longo processo no conselho em toda a história da Câmara Federal.

6) O presidente em exercício da Câmara, Waldir Maranhão, é uma incógnita. Alguns dizem que ele é bem diferente do titular afastado e até sonham que anule o processo de impeachment. Mas, há menos de 20 dias, Maranhão manobrou no Conselho de Ética para limitar a investigação contra Cunha. Não parece exatamente hostil ao colega.

Esse conjunto de circunstâncias sugere que Cunha pode montar um bunker de resistência na Residência Oficial, do mesmo modo que Dilma montará o dela no Palácio do Alvorada.

Mas, ao contrário da Presidenta, que não tem mais força no Congresso, Cunha poderá influir na presidência de Waldir Maranhão e seguir controlando a sua bancada, para manter a obstrução de seu julgamento no Conselho de Ética e decidir as votações em plenário que desejar.

Enquanto não for cassado, portanto, Cunha poderá sustentar um poder considerável, até porque é completamente inédita e esdrúxula a sua situação. Incontáveis políticos morrem de medo de que ele abra a boca e conte o que sabe.

É claro que o ministro Teori Zavascki pode mandar prendê-lo, se entender que tudo acima vai de fato conhecer, configurando a reincidência no delito que levou ao afastamento: uso do cargo para obstruir a Justiça, em proveito próprio.

Mas Teori sabe perfeitamente que, se entregar Cunha a Moro, ele pode negociar a delação premiada. E o risco de derrubar a República com isso, tantas vezes apontado em outros delatores, será real. Ele, sim, tem bala para derrubar dezenas, senão centenas de políticos.

Bancará o ministro a prisão de Cunha? Ateará fogo no circo político inteiro? Para por Lewandowski no Palácio do Planalto?

Eduardo Cunha construiu seu enorme poder nas sombras, das quais emergiu apenas em fevereiro de 2015, para presidir a Câmara. Sabe melhor do que ninguém os caminhos subterrâneos da política. Não precisa de exposição pública para agir.

Assim é que, se houver alguma plausibilidade nesta especulata, o Brasil terá a honra de inaugurar o "home working" parlamentar. E logo com o presidente da Câmara Federal.

De chinelão e bermuda na piscina da residência Nº 171, notebook e celular ao alcance, seguirá Cunha com o país nas mãos.


Gabriel Priolli é Jornalista, consultor político e diretor de televisão
 




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