Theotonio dos Santos, um dos formuladores da Teoria da Dependência |
Uma relação em que, a princípio, Theotonio considerava Fernando Henrique um ideólogo de esquerda, mas que depois, ao se revelarem os verdadeiros perfis, percebeu nele um capacho, subserviente aos mandos dos americanos do norte.
Talvez nem devesse se dar ao trabalho, uma vez que FHC fará ouvidos moucos. Mas sua dignidade o obrigou a fazê-lo.
Vamos à carta
Meu
caro Fernando,
Vejo-me
na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula,
em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em
1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia
Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no
Chile na segunda metade dos nos 1960.
A
discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir
de uma experiência política que reflete contudo este debate
teórico. Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma
defesa muito frágil teórica e politicamente de sua gestão. Quem a
lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de
aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação.Já
discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno
dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo vários
estudiosos discutimos, o inevitável caminho de seu fracasso junto à
maioria da população.
Pois
as premissas teóricas em que baseava sua ação política eram
profundamente equivocadas e contraditórias com os interesses da
maioria da população. (Se os leitores têm interesse de conhecer o
debate sobre estas bases teóricas lhe recomendo meu livro já
esgotado: Teoria da Dependência: Balanço e Perspectivas, Editora
Civilização Brasileira, Rio, 2000).
Contudo
nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno
do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta
aberta.O primeiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico
a partir do fortalecimento do real e que o governo Lula estaria
apoiado neste êxito alcançando assim resultados positivos que não
quer compartilhar com você… Em primeiro lugar vamos desmitificar a
afirmação de que foi o plano real que acabou com a inflação.
Os
dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma
hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações
superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO
APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em
cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como
os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento
planetário. No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante
todo seu governo, próxima dos 10% mais altos.
TIVEMOS
NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUNDO. E aqui
chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e
até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito)
sua política econômica assegurou a transformação do real numa
moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que
começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor
falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de
pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a
realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a
época em que esta desvalorização viria e quando os capitais
estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização, O
fato é que quando você flexibilizou o cambio o real se desvalorizou
chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da
“ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes
da “ameaça Lula”.
ORA,
UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA
UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que economista
respeitável sustenta esta tese? Conclusões: O plano Real não
derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as
inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo
uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda
drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação
esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda
tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi
mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal
de 1999.
Segundo
mito – Segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal.
Meu Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns
60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares
quando entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de
rigor fiscal? Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta
tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal
em toda a história da humanidade.
E
não adianta atribuir este endividamento colossal aos chamados
“esqueletos” das dívidas dos estados, como o fez seu ministro de
economia burlando a boa fé daqueles que preferiam não enfrentar a
triste realidade de seu governo. Um governo que chegou a pagar 50% ao
ano de juros por seus títulos para, em seguida, depositar os
investimentos vindos do exterior em moeda forte a juros nominais de 3
a 4%, não pode fugir do fato de que criou uma dívida colossal só
para atrair capitais do exterior para cobrir os déficits comerciais
colossais gerados por uma moeda sobrevalorizada que impedia a
exportação, agravada ainda mais pelos juros absurdos que pagava
para cobrir o déficit que gerava.
Este
nível de irresponsabilidade cambial se transforma em
irresponsabilidade fiscal que o povo brasileiro pagou sob a forma de
uma queda da renda de cada brasileiro pobre. Nem falar da brutal
concentração de renda que esta política agravou drasticamente
neste pais da maior concentração de renda no mundo. Vergonha,
Fernando. Muita vergonha. Baixa a cabeça e entenda porque nem seus
companheiros de partido querem se identificar com o seu governo…te
obrigando a sair sozinho nesta tarefa insana.
Terceiro
mito – Segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua
dívida externa por causa da ameaça de um caos econômico que se
esperava do governo Lula. Fernando, não brinca com a compreensão
das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação
de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que pedir ajuda ao
seu amigo Clinton que colocou à sua disposição os 20 bilhões de
dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE
DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID.
Tudo
isto sem nenhuma garantia. Esperava-se aumentar as exportações do
pais para gerar divisas para pagar esta dívida. O fracasso do setor
exportador brasileiro mesmo com a espetacular desvalorização do
real não permitiu juntar nenhum recurso em dólar para pagar a
dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. A ameaça de Lula
existiu exatamente em consequência deste fracasso colossal de sua
política macroeconômica. Sua política externa submissa aos
interesses norte-americanos, apesar de algumas declarações
críticas, ligava nossas exportações a uma economia decadente e um
mercado já copado. A recusa dos seus neoliberais de promover uma
política industrial na qual o Estado apoiava e orientava nossas
exportações.
A
loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de
realizar inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com
a venda de uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras. Os
juros mais altos do mundo que inviabilizava e ainda inviabiliza a
competitividade de qualquer empresa. Enfim, UM FRACASSO ECONOMICO
ROTUNDO que se traduzia nos mais altos índices de risco do mundo,
mesmo tratando-se de avaliadoras amigas. Uma dívida sem dinheiro
para pagar… Fernando, o Lula não era ameaça de caos. Você era o
caos. E o povo brasileiro correu tranquilamente o risco de eleger um
torneiro mecânico e um partido de agitadores, segundo a avaliação
de vocês, do que continuar a aventura econômica que você e seu
partido criou para este país.
Gostaria
de destacar a qualidade do seu governo em algum campo mas não posso
fazê-lo nem no campo cultural para o qual foi chamado o nosso
querido Francisco Weffort (neste então secretário geral do PT) e
não criou um só museu, uma só campanha significativa. Que vergonha
foi a comemoração dos 500 anos da “descoberta do Brasil”. E no
plano educacional onde você não criou uma só universidade e entrou
em choque com a maioria dos professores universitários sucateados em
seus salários e em seu prestígio profissional.
Não
Fernando, não posso reconhecer nada que não pudesse ser feito por
um medíocre presidente.Lamento muito o destino do Serra. Se ele não
ganhar esta eleição vai ficar sem mandato, mas esta é a política.
Vocês vão ter que revisar profundamente esta tentativa de encerrar
a Era Vargas com a qual se identifica tão fortemente nosso povo. E
terão que pensar que o capitalismo dependente que São Paulo
construiu não é o que o povo brasileiro quer. E por mais que vocês
tenham alcançado o domínio da imprensa brasileira, devido suas
alianças internacionais e nacionais, está claro que isto não
poderia assegurar ao PSDB um governo querido pelo nosso povo. Vocês
vão ficar na nossa história com um episódio de reação contra o
verdadeiro progresso que Dilma nos promete aprofundar. Ela nos disse
que a luta contra a desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma
política progressista.
E
dessa política vocês estão fora. Apesar de tudo isto, me dá pena
colocar em choque tão radical uma velha amizade. Apesar deste
caminho tão equivocado, eu ainda gosto de vocês ( e tenho a melhor
recordação de Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como
a grande maioria do povo brasileiro. Poderemos bater um papo inocente
em algum congresso internacional se é que vocês algum dia voltarão
a frequentar este mundo dos intelectuais afastados das lides do
poder.
Com
a melhor disposição possível, mas com amor à verdade, me despeço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário