sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Sobre dois extremos: esquerda caviar e esquerdopata

Por Fernando Castilho


Esquerda caviar. Duas palavras que ultimamente tem visitado minha mente, de forma recorrente.

Derivado do termo ''esquerda festiva'', esquerda caviar é uma expressão pejorativa utilizada para se referir às pessoas que, mesmo socialistas, não abrem mão dos confortos do capitalismo. O jornalista Mino Carta define a ''gauche caviar'' como "representantes do chique radical".

Este termo, utilizado pelo neolib Rodrigo Constantino, colunista de Veja e uma das expressões do Instituto Millenium, clubinho da direita mais reacionária do país, tem incomodado muita gente de esquerda que se defende dizendo que a postura pró combate às desigualdades sociais não implica necessariamente em voto de pobreza.

Será?
É claro que defender os direitos das minorias não implica obrigatoriamente em fazer parte delas. Não se precisa passar fome para defender os pobres, nem ser crucificado para pregar o cristianismo.

Mas pelo menos um pouco de coerência é necessário para quem se diz socialista.
Quando alguém que, oriundo da classe média, participou no passado de movimentos sociais que culminaram na derrubada do regime militar, que participou de toda a luta pelas Diretas Já, que lutou para eleger um partido que à época era a maior expressão possível da esquerda, mas que hoje em dia tendo sua vida resolvida financeiramente, se dá ao luxo de possuir carro importado, ser apreciador dos melhores vinhos e restaurantes, vestir-se com roupas de marca e viajar rotineiramente para Miami ou Paris, tudo isso junto e misturado, por mais que se intitule de esquerda, seus hábitos denunciam o contrário.

Não se trata de preconceito, não.
Trata-se de coerência.

Nesse caso, talvez Constantino tenha alguma razão. Talvez muita.
E há muita gente assim. Este blogueiro conhece.

Se ao menos participassem de alguma forma da luta pela redução das desigualdades e do preconceito, tudo bem. Se ao menos atuassem em movimentos sociais, em ONG's, na esfera governamental, na imprensa ou nos blogs, defendendo bandeiras socialstas, tudo bem. Mas muitas dessas pessoas ficam só no discurso fácil de esquerda, posando de intelectuais e exibindo suas vaidades.

Num diálogo com uma dessas pessoas, tem-se a impressão de se estar conversando com um autêntico capitalista. Só falta citarem com mais propriedade, Milton Friedman da Escola de Chicago, que Thomas Piketty, autor de ''O Capital no Século XXI''.

Outro termo muito em voga é a palavra ''Esquerdopata'', utilizada por outro ícone da direita mais reacionária do país, Reinaldo Azevedo, colunista de Veja, a exemplo do menino maluquinho, Constantino.

Por possuir o sufixo ''pata'' presente nas palavras ''sociopata'' e ''psicopata'' que se referem ao Transtorno de Personalidade Antissocial, o termo ''esquerdopata'' remete à uma espécie de transtorno ou doença de alguém que, de maneira obsessiva, diária e contínua prega o esquerdismo.

Porém, para o tio-rei Azevedo, em sua visão distorcida da realidade histórica do mundo, o esquerdopata defende que tem sido necessário ao longo da História matar milhões de pessoas para que outros milhões possam viver em relativo bem-estar, recado para Fidel Castro, seu Baphomet.

Porém, fora essa tentativa de manipulação do pit-bull Azevedo, a direita pode ter razão, se a definição for utilizada para aqueles que, 24 horas por dia, de maneira intermitente, obsessiva, pregam seu esquerdismo aos quatro cantos, a ponto de não conseguirem enxergar mais nada à sua frente. O blogueiro conhece também gente assim. E às vezes, confessa, tem uma tendência (combatida dia a dia) a se comportar também dessa forma. Gente chata.

Mas, existe o meio termo? Aquele que foge dos extremos estereotipados do espectro político tão simploriamente delimitado pelos supercoxinhas Azevedo e Constantino?

O mundo hoje não se reparte mais em crimes, espaçonaves, guerrilhas, nem em Cardinales bonitas. Há coxinhas de todos os graus para todos os gostos. Com ou sem pimenta.

Pessoas, sejam elas de classe média, ou mesmo pobres (não se fala aqui da classe alta, pois esta, infelizmente, é a que tem maior consciência de sua classe), não conseguem a sintonia fina da percepção do que é ser de direita. A classe média procura se garantir, não hesitando em furar a fila da vida para que possa atingir seus objetivos, afinal, o paraíso, mesmo em meio ao inferno, pode ser aqui mesmo.

Os pobres, muitas vezes fazem o jogo da classe dominante, acreditando na meritocracia, tentando alcançar o Olimpo, chegar lá. Quando não conseguem, retiram-se à sua insignificância atribuindo a si mesmos a culpa de sua incapacidade de ascensão social. E podem viver assim para sempre, admitindo sua inferioridade e admirando as pessoas brancas das novelas da Globo.

Mas e o resto?
Aqueles que se organizam em grupos sociais, que militam em partidos de esquerda, que saem às ruas para defender a democracia, que lutam contra os preconceitos, que possuem um veículo somente para locomoção, ou nem possuem (dando o exemplo e preferindo o transporte coletivo, mesmo que deficiente), que se preocupam em não vestir uma roupa de grife que foi confeccionada com mão de obra análoga à escrava, que não consomem os produtos alimentícios que enriquecem grandes empresas em detrimento da saúde das pessoas, dão um bom exemplo de como se pode ser socialista em plagas capitalistas selvagens.

Pessoas que se revoltam contra as ideias (ideias?) de Azevedos, Constantinos, Mervais, Jabores, Sheherazades, Lobões, Bolsonaros, Felicianos et caterva.

Pessoas que praticam no seu dia a dia a busca por uma sociedade mais justa, não importando se para isso tenham que criticar um governo que se utiliza de pessoas indignas para compor seu ministério.

Afinal, o que temos que buscar é o bem de quem foi pouco ou nunca assistido em suas primeiras necessidades.

O equilíbrio para tudo é necessário.
Se o blogueiro vem lutando para combater sua tendência à esquerdopatia, em 2015 espera que esse equilíbrio necessário seja alcançado.
Falta pouco para chegar lá.




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