segunda-feira, 27 de abril de 2015

CARTA ABERTA A UMA SENHORA

Por Francisco Costa

Investiram contra os nossos artistas e pensadores, mutilando textos, calando canções, destruindo obras de arte, impondo a adesão cega ao senso comum, e justamente quem, por dever de ofício, deveria estar ao lado da rebeldia, do inconformismo, da resistência, mais que aderir, compactuou.


Imagem: Internet
Bom dia, senhora.

Cabe-me, por cavalheirismo, dar-lhe os parabéns, afinal hoje é o seu aniversário, mas confesso não ver motivos para comemorações maiores.

Nossas vidas sempre estiveram ligadas, crescemos juntos, ficamos adultos juntos e agora envelhecemos juntos.

Sempre próximos, confesso que tivemos momentos de flertes, ou de azaração, como os meninos de agora dizem, e até trocamos uns beijinhos, mas não passou disso.

Como eu poderia manter um namoro firme, noivar e até casar com uma mulher volúvel, afeita à afetação, sedenta de dinheiro, não envidando esforços para chegar ao ambicionado, ainda que para isso tivesse que se valer de todos os meios, onde não se exclui a prostituição?

Ainda menina seu caráter se pôs a descoberto, quando os nossos amiguinhos foram maltratados, presos, torturados, muitos deles mortos ou tendo que fugir para longe da família, e a senhora, mais que silenciar, optou por ficar ao lado dos responsáveis pela desgraça imposta, fazendo a apologia dos fabricantes de gritos nas masmorras, de cadáveres adolescentes, de fugitivos.

Por essa época nosso bairro foi invadido, com a sua aquiescência, e tivemos as casas roubadas: safras, minérios, rebanhos, em troca de quinquilharias importadas de outros bairros, e a senhora ao lado dos invasores, mais que permitindo a pirataria e o saque, justificando-o, incentivando-o.

Investiram contra os nossos artistas e pensadores, mutilando textos, calando canções, destruindo obras de arte, impondo a adesão cega ao senso comum, e justamente quem, por dever de ofício, deveria estar ao lado da rebeldia, do inconformismo, da resistência, mais que aderir, compactuou.

Cansados dos chicotes e dos verdugos, mal acomodados nas contenções do só trabalhar e ouvir, reagimos, buscando liberdade, esse bem inalienável e obrigatório, e a senhora não envidou esforços para nos impedir, em vã tentativa de perpetuar os grilhões, a submissão ao arbítrio e à prepotência.

Vencemos e a contragosto a senhora fingiu ter mudado de lado, criado juízo, juntando-se a nós, mero disfarce, dissimulação, para continuar na sanha de oposicionista trabalhando a aniquilação do que lhe contraria, criando e destruindo políticos, difamando uns e coroando outros, fazendo reputações e destruindo reputações, sempre na consecução dos próprios interesses, que nunca foram os nossos.

Agora, assim como crescemos juntos, juntos caminhamos para a morte.

Eu, por natural desgaste biológico, com prazo de vencimento próximo, uma fatalidade comum a todo ser vivente, e a senhora por um suicídio intermitente e continuado, por ter se recusado à vida, em cada momento da vida, e até nesse momento de reflexão e balanço, de arrependimentos e mea culpas, a senhora persiste na contramão de uma história que não a dignifica, posicionada contra nós, trabalhando golpes, dando voz aos que querem o retorno do antes, no caminho antinatural da involução.

Dizem que os velhinhos voltam à infância e a observação da realidade não nos autoriza a desmentir.

Seria por isso a sua saudade de quando imperava soberana e intocável, ditando o que fazermos e como fazermos?

Os tempos são outros, senhora, outras duas gerações chegaram, e nossa capacidade de influir diminuiu, já não nos seguem nem nos ouvem com a mesma atenção, motivados por interesses outros.

Quando é que a senhora se dará conta disso, única maneira de não assistir à própria decrepitude, à falência múltipla dos órgãos, endividada e abandonada, com cada vez menos amigos na claque que a aplaude e dá crédito?

Quando aprenderá a não mentir, omitir, deturpar, inventar... Acreditando que está na essência do humano a ingenuidade e a ignorância?

Despeço-me, antes pedindo-lhe desculpas por ter digitado o termo prostituta, mas não tive como evitá-lo já que toda a sua vida foi apoiada nos cofres públicos, através de campanhas institucionais remuneradas, empréstimos consignados a campanhas institucionais, empréstimos, subvencionados, em bancos públicos... Valendo-se do seu poder para o tráfico de influências, a intimidação, a chantagem política e econômica, a concorrência desleal, a fraude... Todos os instrumentos que caracterizam a prostituição política, econômica e social, comprando autoridades, fossem civis ou militares, togadas ou não, beneficiárias de mandatos ou não, cooptando para controlar, fazendo-os servis servidores dos seus interesses.

Como afirmei, houve momentos em que nos confundimos, flertando, namorando, trocando beijinhos e amassos, em Copas do Mundo, Olimpíadas, inesquecíveis novelas e musicais, debates políticos, velórios...

O que faz com que eu lastime que assim tenha sido, mas não me desobriga de criticá-la em seu aniversário, como fazem hoje milhões de iguais a mim, lastimando a vulgaridade de uma bela mulher que ambicionamos esposa, mas que se quis amante ocasional porque perigosa, indigna de crédito, volúvel e vulgar, vendendo-se a quem lhe acenasse uma moeda, ainda que de pouco valor, abrindo mão da honra, da dignidade, do respeito.

Feliz aniversário, Tevê Globo.

Francisco Costa
Rio, 26/04/2015.


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