quinta-feira, 17 de julho de 2014

Segurança. Em time que está perdendo não se mexe?

Por Fernando Castilho

Mais um assalto com morte foi cometido na Grande São Paulo. Acontece toda hora. E, é lógico, como sempre, a família da vítima entrou em estado de choque. Com razão. E como sempre, xingou o governo Federal pela falta de segurança. Sem razão.

O número de mortes em assaltos (latrocínios) cresceu 38,61% na capital no ano passado –140 casos em 2013 contra 101 em 2012.

Já no Estado, esse tipo de crime teve o maior número de registros desde 2004.
Foram 379 casos, alta de 10,17% em relação a 2012 (344). Veja aqui

Em praticamente todos esses casos, o culpado apontado é um só: o Governo Federal.
Só que está errado. A responsabilidade pela Segurança Pública no Estado é do Governo do Estado.


Mas qual é a competência do Governo Federal na área da segurança?
Entre os órgãos com que conta o governo federal nesta área, destaca-se a Polícia Federal, com competências de vigilância nas fronteiras e alfândegas e nos crimes federais, entre outras.

Mas são os estados os atores principais na área de segurança pública. Cada estado conta com uma Polícia Militar, uma força uniformizada, cuja tarefa é o patrulhamento ostensivo e a manutenção da ordem, e com uma Polícia Civil, que tem como missão, investigar os crimes cometidos. Dessa forma, nenhuma das duas polícias executa o chamado “ciclo completo” de segurança pública, que vai da prevenção à repressão, o que suscita problemas de duplicidade e rivalidade entre ambas.

Em geral, as políticas estaduais de segurança – se é que podem receber este nome sem planejamento, objetivos e avaliação – são basicamente reativas e baseadas na repressão, mais do que na prevenção. Com freqüência, os governos reagem diante dos casos com repercussão pública, particularmente os que se destacam na imprensa, para dar uma resposta de curto prazo. Quando o caso perde visibilidade, as medidas iniciais se desvanecem. Recomendo o artigo completo

Segundo IGNACIO CANO, formação e Doutorado em Sociologia na Universidad Complutense de Madri, com a especialidade de Psicologia Social. Pós-doutorado pelas Universidades de Surrey (Reino Unido), Michigan e Arizona (EUA) com ênfase em metodologia de pesquisa e avaliação de programas sociais:

''Entre as deficiências mais comuns na área de segurança pública, podemos destacar:
falta de investimento suficiente, o que se traduz, entre outras coisas, por baixos salários para os escalões inferiores das polícias. Esses salários obrigam os agentes a trabalharem em outros empregos, geralmente em segurança privada, gerando altos níveis de estresse e a tendência de privatização da segurança pública;
formação deficiente dos agentes policiais, sobretudo nos níveis hierárquicos inferiores;
herança autoritária: a polícia era um órgão de proteção do Estado e das elites que o dirigiam contra os cidadãos que representavam um perigo para o status quo, as chamadas “classes perigosas”. A transição do modelo de uma polícia de controle do cidadão para uma polícia de proteção das pessoas é gradual e ainda não foi concluída. Ademais disso, o Estado brasileiro conserva resquícios de sua formação oligárquica, como a prisão especial para as pessoas com formação universitária;
insistência no modelo da guerra como metáfora e como referência para as operações de segurança pública. Desse modo, o objetivo continua sendo, em muitos casos, o aniquilamento do “inimigo”, freqüentemente sem reparar nos custos sociais. O problema de segurança pública aparece às vezes como uma questão de calibre, como um nó que será desatado quando o poder de fogo das polícias supere o do inimigo. Em conseqüência, a segurança pública se apresenta fortemente militarizada em suas estruturas, doutrinas, formação, estratégia e táticas. As operações de segurança pública em áreas pobres se assemelham a operações de guerra em território inimigo: ocupação, blitz etc.;
no contexto anteriormente mencionado não é de se estranhar a existência de numerosos abusos aos direitos humanos, particularmente os que se referem ao uso da força. Os tiroteios em comunidades pobres produzem um alto índice de mortes, incluindo as vítimas acidentais. As alegações de tortura contra presos e condenados também são freqüentes;
relações conflitivas com as comunidades pobres, sobretudo em lugares onde o crime organizado é forte. A juventude que vive nesses lugares considera a polícia inimiga e um setor da polícia tem esta mesma visão. As pesquisas mostram que existem muitas comunidades onde os moradores têm mais medo da polícia que dos traficantes de drogas, cujo despotismo é mais previsível;
numerosos casos de corrupção policial, desde pequenos subornos para não aplicar multas de trânsito até proteção a traficantes. Em muitas ocasiões, o abuso de força está também vinculado aos casos de corrupção.''

A Polícia Militar do Estado de São Paulo para fins de organização é uma força auxiliar e reserva do Exército Brasileiro. Conta com um efetivo de 100 mil soldados.

Os abusos e a ineficiência desta instituição saltam aos olhos da sociedade civil. É acusada de repressão a movimentos políticos contrários aos interesses do governo do Estado, falsificação de evidências para incriminar tais movimentos, corrupção, repressão violenta às populações da periferia, torturas e assassinatos. Essas acusações são parcialmente confirmadas pela própria corregedoria, mas é difícil definir a extensão deste problema, devido à própria proeminência desta instituição no cenário político e investigativo do Estado.

A corporação foi acusada de matar mais do que todas as polícias dos Estados Unidos juntas, e envolveu-se em conflitos repudiados por grandes parcelas da população e importantes autoridades, como as repressões à marcha da maconha, aos protestos de camelôs, ao protesto contra o aumento do preço de ônibus na capital paulista, à reintegração de posse do Pinheirinho e uma reintegração de posse na Universidade de São Paulo.

Um relatório da polícia civil de 2011 estimou que PMs foram responsáveis por pelo menos 150 assassinatos. Os motivos seriam vingança, ''limpeza'' e abuso de autoridade.

A intensificação da prática de tortura e da violência nas instituições policiais é uma herança da ditadura militar. análise e opinião

Muita gente anda defendendo a desmilitarização das polícias estaduais. E estão certas. Não vá pela opinião da veja, que é contrária à desmilitarização.
O que este blogueiro defende vai mais além: A mudança de competências.

Sugiro que se proceda uma verdadeira revolução na política de segurança pública no país.

Que se faça um amplo estudo de viabilidade da proposta, envolvendo cientistas, sociais, cientistas políticos, especialistas na área, advogados, e outras pessoas que possam colaborar na discussão, formando inicialmente um grupo de trabalho e diagnóstico da situação de (in)segurança no país.

Se a conclusão for pela implementação de um Plano de Segurança Nacional, não aquele nos moldes do governo FHC, feito às pressas, somente para atender à uma pressão da mídia devido ao assassinato do sequestrador do ônibus 174, nem aquele do governo Lula, que não chegou a sair do papel.

Esse plano deve ter como espinha dorsal que as polícias se tornem civis e passem para o controle do Governo Federal.

Por que?
Hoje a União sempre arca com o ônus de carregar a pecha de ''incompetente'' na área, mesmo sem ter a competência para tanto.
Pois que passe a tê-la.

A União passaria a centralizar o comando da polícia, promovendo capacitação de policiais, intercâmbios com o exterior, cursos, mudança de filosofia da corporação, com ênfase nos direitos humanos, melhorando salários, melhorando os equipamentos e modernizando a estrutura. Vamos parar de prender manifestantes com antecedência (como são competentes para isso, não?), e focar diretamente no crime.
Os policiais aprenderiam a agir com o rigor da Lei, mas sem cometer arbitrariedades. Menos robocops, mais humanos.

Até os uniformes mudariam, deixando de se parecer com uniformes de soldados. Os veículos perderiam aquela cor horrorosa e aquele aspecto repressor.

E os Estados, como ficariam?
É lógico que os governadores não vão querer se livrar assim tão fácil do abacaxi, que pra eles ainda é um filão (lembrem-se que em todas as campanhas, o que mais se promete é a melhora da segurança), visto que são os comandantes das corporações em seus respectivos estados. Há ainda que se destacar o cheiro forte de conluio entre governadores e crime organizado.


Arcariam com o ônus do envio das verbas à União, para que contribuam com o custeio. Com amplo apoio da população, que deseja que se faça alguma coisa, teriam que ceder.

Como se daria o processo de mudança?
Em primeiro lugar, é fundamental que o próprio Governo esteja convencido e tenha vontade política. E que como um todo se envolva em uma discussão interna.

Em segundo lugar, enviando-se um projeto de lei do Executivo ao Congresso, para que se altere o Artigo 21, inciso XXII que diz respeito ao que compete à União em termos de polícia.

Será necessária uma ampla discussão e mobilização com a sociedade civil e também com conselhos populares, justamente os mais interessados na mudança.

Será fundamental envolver os atores deputados e senadores, esclarecendo-os da importância do projeto.

Seria criado o Ministério da Segurança Pública, que teria a função de gerar e implementar as políticas, além do controle da polícia nos municípios.

Haveria algum modelo que deu certo a ser seguido?

Pesquisando sobre o assunto, o modelo mais interessante, ao meu ver, é o da polícia japonesa, apesar da baixa criminalidade daquele país, se comparado ao Brasil.

Atualmente o sistema policial japonês é baseado em polícias locais, ligadas às prefeituras, que no dia a dia tem autonomia operacional e administrativa. Porém essas polícias são supervisionadas pela National Police Agency , que supervisiona a formação e treinamento de policiais, fornecimento de equipamentos, estatísticas criminais, etc. O sistema policial japonês é subordinado ao Primeiro Ministro, e o governo nacional auxilia também as polícias locais com verbas, salários e armamentos. Dessa maneira a Agência de Polícia Nacional mantém um sistema de controle vertical sobre as polícias locais. Leia mais aqui


Ou seja, as polícias locais são ligadas às prefeituras, o que se traduz em maior descentralização e rapidez de ação, porém sob controle de um ministério. Um dos destaques, que até tem sido copiado pela PM de São Paulo, são os postos policiais.

Teria que ser este o modelo? Claro que não. Faria parte do estudo. O importante é que se discuta, e que se leve em consideração que há outros modelos a serem seguidos.

Há décadas se fala em mudança na estrutura da polícia. Mas parece que ninguém quer mexer em time que está perdendo.

O que se propõe, mais que uma mudança, é uma real revolução no sistema de segurança do país, pois do jeito que está, não pode ficar.

Mereceria um estudo sério, pelo menos?

Ou, como diria o Felipão, ''em time que está perdendo não se mexe''?






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