Esta semana ocorreu na Câmara dos Deputados em Brasília um episódio que evidencia de uma vez por todas como certos homens estão na realidade se sentindo inferiorizados, nem sempre pela maior capacidade das mulheres, mas muitas vezes por terem sua própria capacidade colocada em xeque.
Imagem: internet |
Eram
os anos de chumbo, mas também a época do paz e amor, dos Beatles e
dos Rolling Stones.
Ficava
difícil para um jovem, participante em certo grau do Movimento
Estudantil, ver tanta gente sendo presa e torturada e ao mesmo tempo
ouvir frases como ''faça amor, não faça a guerra'' ou ''all you
need is love''.
A
mim parecia que o Brasil estava na periferia do mundo, onde tudo
acontecia ao contrário.
Mas
se a ditadura nos impedia de pensar livremente, fazendo-nos crer que
tudo ia às mil maravilhas, vivíamos o milagre econômico, o Brasil
fora tri-campeão mundial, ''Brasil, Ame-o ou deixe-o'', etc., também
nós, o povo brasileiro acabávamos por nos tornar de certa forma,
cúmplices do regime, ao nos acomodarmos e nos conformarmos numa
situação.
Explico.
Na
TV eram inúmeras as piadas com gays, negros, mulheres, pobres e
portugueses, japoneses, etc..
Todo
mundo brincava com gays porque eles eram praticamente invisíveis
numa sociedade extremamente machista. Onde eles estavam? Escondidos,
confinados nos salões de cabeleireiros, nas oficinas de corte e
costura e nos balés. Ah, e nos quadros humorísticos dos programas
de TV, como por exemplo, Haroldo o hétero, personagem homossexual de
Chico Anísio, que tentava se tornar hétero, mas sempre dava suas
recaídas. Bastante conveniente.
Os
negros, onde se encontravam? Nas fábricas, nas roças, nas estivas,
nos esportes e em todas as atividades que demandassem força física
e resistência. A exceção só ocorria na música, no samba, no
carnaval. Ah, eles estavam também nas telenovelas, sempre fazendo
papeis de escravos, mucamas, empregadas domésticas...
As
mulheres? Começavam a ingressar no mercado de trabalho, mas sempre
foram retratadas nas novelas como donas de casa e mães, emotivas
demais e incapazes de pensar com a razão. Enfim, subalternas ao
marido. Nos programas humorísticos, por exemplo, eram a mulher do
marido Oscar, que torrava torna a fortuna dele com supérfluos, ou a
Terta do Pantaleão, outro personagem do Chico Anísio, que nunca
tinha coragem de desmenti-lo. E os programas de receitas, então?
Os
pobres eram retratados na TV como caricaturas. Geralmente eram
mendigos, ou seja, o lumpen da sociedade. Nas novelas, pobre não
aparecia, aparecia só a classe média baixa. Ou seja, havia um hiato
entre a classe média baixa que morava nos bairros e os mendigos.
Onde estavam os pobres, a grande maioria deste Brasil?
Víamos
tudo isso com certa naturalidade e galhofa.
Passados
muitos anos, a situação mudou muito, principalmente na última
década.
Os
gays começaram a sair do armário e buscaram visibilidade em outras
profissões como engenheiros, advogados e até deputados.
A
reação foi imediata.
Pastores
começaram a pregar contra eles e a estimular agressões físicas e
até assassinatos. Surgia a homofobia. O ódio, que era para ser
escondido, passou a ser explícito. Antes, gay bom era o enrustido ou
aquele confinado aos seus guetos de trabalho. Agora gay bom é gay
morto.
Devido
à políticas sociais como as cotas nas universidades, o negro também
vem conseguindo aos poucos exercer profissões que dependam mais de
seu intelecto do que de sua força física.
A
reação foi imediata.
As
manifestações de racismo se multiplicaram em todo o país. Brancos
não conseguem engolir negros vestindo paletó e gravata, a não ser
que sejam seguranças ou porteiros.
O
ódio, que era para ser escondido, passou a ser explícito. Antes,
negro bom era aquele que se colocava em seu lugar. Agora negro bom é
negro fora das faculdades e submisso.
No
maior programa de erradicação da pobreza do mundo, o Brasil
conseguiu tirar 35 milhões de pessoas da linha da pobreza, fazendo
com que surgisse uma nova classe social, ávida por consumir,
viajando de avião e comprando em shoppings.
Logicamente
que isso não poderia ficar impune, afinal, enquanto havia pobres
quietinhos no seu lugar, a elite estava satisfeita em mandar no país.
Então
a luta de classes voltou a dar o ar de sua graça.
Não
foi por outro motivo que a classe média foi às ruas nas
manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff.
Se
tivesse sido pelo motivo alegado, o da corrupção, teriam ido às
ruas também contra Alckmin e Beto Richa pelos seus desgovernos.
Teriam ido às ruas contra Aécio Neves, por ter sido responsável
pelo rombo de bilhões em seu governo de Minas, por ter construído
um aeroporto em terras de seu tio-avô, e por ter sido citado na
lista de Furnas.
As
mulheres agora ocupam postos de trabalho em grandes empresas e se
destacam por ter capacidade de fazer uma administração diferente,
senão melhor.
Temos
até a primeira presidenta do Brasil, quer queiram ou não. E creiam,
boa parte da rejeição contra ela vem do fato de ela ser mulher.
A
reação não foi imediata, mas vem acontecendo aos poucos.
Recentemente
o deputado ultra direita Jair Bolsonaro (que deveria renunciar ao seu
mandato, uma vez que não concorda com eleições) afirmou que não
estupraria a Deputada Maria do Rosário só porque ela é feia.
Troquemos
os dois de lado para perceber que jamais uma mulher diria o mesmo
quanto a um homem. Machismo exacerbado às últimas consequências.
Para Bolsonaro, como pode uma simples mulher ocupar o mesmo cargo que
ele, recebendo o mesmo salário? Raiva de mulher.
Esta
semana ocorreu na Câmara dos Deputados em Brasília um episódio que
evidencia de uma vez por todas como certos homens estão na realidade
se sentindo inferiorizados, nem sempre pela maior capacidade das
mulheres, mas muitas vezes por terem sua própria capacidade colocada
em xeque.
A
Deputada Jandira Feghali (PcdoB) tem se destacado muito na Câmara,
por sua assiduidade, coerência, oratória, presença física,
honestidade, inteligência e coragem. Ou seja, ela é Deputada!
Foi
essa postura que ''obrigou'' o deputado Roberto Freire (PPS) a
segurar seu braço, fazendo valer não sua capacidade intelectual de
debater com argumentos, mas sua força física.
Como
a Deputada reclamasse e ameaçasse enviar o caso à Comissão de
Ética, outro deputado saiu em socorro a Freire. Alberto Fraga (DEM),
tomou o microfone e, aos gritos, disse que “quem bate como homem
deve apanhar como homem”.
Como
não dá para calar a deputada com argumentos, cala-se com agressões.
Assim
como na última década presenciamos grandes transformações no
país, no sentido do progresso, notadamente justiça social a LGTB,
negros, pobres e mulheres, de um ano para cá, a reação no sentido
contrário só se fez crescer.
Gente
que quer a volta ao passado, onde tudo era mais conveniente, desde
que se aceitasse e se conformasse com as injustiças escondidas.
A
eleição de um Congresso conservador, capitaneado na Câmara por
Eduardo Cunha e no Senado, por Renan Calheiros, é ameaça constante
aos grandes avanços sociais conquistados.
O
apoio da mídia é explícito, já que ela é um quarto partido
conservador no país.
Aonde
isso vai nos levar, não sabemos, mas desde já é preciso começar a
desenhar a contra-reação.
Ainda
ouço os Beatles.
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