domingo, 24 de maio de 2015

Menor infrator: elite brasileira é cúmplice

Por Fernando Castilho


Não adiantam números, estatísticas, comparações com outros países em que a maioridade penal foi reduzida.



Não adianta mostrar que em outros países não deu certo. O que importa é a vingança.

Sobre a maioridade penal, acho que o texto de Paulo Franco, um dos melhores que já lí sobre o assunto, MAIORIDADE PENAL, o Brasil e o mundo publicado aqui neste blog esclarece tudo que precisamos saber.

Porém, não adiantam números, estatísticas, comparações com outros países em que a maioridade penal foi reduzida.

Não adianta mostrar que em outros países não deu certo.

Não adianta explicitar que países que reduziram a maioridade penal voltaram atrás.

Não adianta nada disso para quem não quer ler, não quer ver, não quer ouvir argumentos.

Para as bancadas da bala e da Bíblia na Câmara, as que mais insistem no projeto, o que vale são os holofotes, já que seus deputados não possuem nenhum projeto para o país.
Querem ver seus nomes nas manchetes dos jornais, não importando que jovens paguem com sua vida por isso.

As classes média e alta do país não aceitam, nunca aceitaram o combate às desigualdades sociais.
Alegam que as mesmas oportunidades existem para todos, e que basta ter força de vontade e lutar para superar os obstáculos. A tal da meritocracia.

Sustentam que os desafortunados pela sorte, que nasceram nos grotões, nos sertões sem água deste país, nas favelas e nos cortiços, que são caboclos, mamelucos ou pretos e não brancos como eles, são acomodados e vagabundos.

São hipócritas o suficiente para ficarem chocados e revoltados com o assassinato do médico branco no Rio de Janeiro, mas olharem com desdém a morte do menino mulato Eduardo de 10 anos no Morro do Alemão, cometida por um policial.

São hipócritas ainda por não darem nenhuma repercussão ao caso do atropelamento e morte de um ciclista preto, cometido por Thor Batista, filho de Eike, que não deu em nada.

Pelo menos a viúva do médico Jaime Gold não foi hipócrita como esperavam: “Nem sei se foram menores, mas sei que Jaime foi vítima de vítimas, que são vítimas de vítimas. Enquanto nosso país não priorizar saúde, educação e seguranças, vão ter cada vez mais médicos sendo mortos no cartão postal do país. São gerações de vítimas do nosso sistema. ''


Yvonne Bezerra de Mello, fundadora do Projeto Uerê, diz sobre o rapaz de 16 anos que matou o médico: "Tudo falhou na vida dele, e é preciso perceber que parte da culpa também é nossa, é da sociedade". "A rua embrutece, torna a criança selvagem, a coloca em contato com a droga e gradualmente banaliza a violência e a morte”. Aqui a entrevista completa

Como desculpa, a sociedade usa o argumento de que o Bolsa-família, ao invés de dar dinheiro (desconhece até o valor), deveria dar educação aos miseráveis, como se educação sozinha enchesse barrigas.

Não se interessam em saber que para continuar inscrito no Programa e ser beneficiado por ele, é preciso estar na escola.

E mesmo se se oferecesse só a educação, ainda assim reclamariam.

São contrários às cotas raciais nas faculdades, alegando que os pretos tem condição de disputar vagas de igual para igual com brancos, esquecendo-se muito convenientemente de que pretos têm que cursar escola pública da periferia, sendo ensinados por professores que são obrigados a dar aulas em até 3 escolas para poder auferir algum ganho. Pretos estudam em escolas onde não há papel sulfite e muito menos higiênico, onde não há ar condicionado, água ou giz, porque governos estaduais não aplicam os recursos que o governo federal envia todos os meses. Pretos tem que estudar e trabalhar ao mesmo tempo, para poderem ajudar no orçamento doméstico.

As classes média e alta deste país são contrárias ao Programa Mais Médicos, refugiando-se hipocritamente no argumento de que os médicos cubanos são tratados como escravos por Fidel. Não é esse o motivo de sua contrariedade.

As classes média e alta do Brasil foram, durante 13 anos, doutrinadas diariamente pela mídia a nutrir ódio pelos pobres, e mais que isso, a odiar qualquer iniciativa de promoção desses pobres.

Revoltam-se ao saber que 35 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza nestes últimos 13 anos.

E é exatamente este o motivo das manifestações por impeachment da presidenta e dos panelaços. Não nos equivoquemos, não é pela corrupção. Se fosse, Aécio e o PSDB também seriam hostilizados.

Se mesmo com êxito dos programas sociais reconhecidos pelo mundo todo e pela ONU, ainda há violência praticada por adultos e também por menores, imaginem sem os programas.

O fato é que tudo avança no Brasil ainda de maneira tímida.

Se os programas sociais fossem grandemente ampliados, atingindo a todos, até aquele brasileirinho mais recôndito, se a educação e a saúde fossem tratadas de maneira séria pelos governos federal, estaduais e municipais, se as polícias não fossem acionadas para bater em professores e se esses professores passassem a ser tratados com a dignidade que merecem, talvez a violência diminuísse.

Se houvesse condições minimamente dignas de moradia, se as famílias não se desagregassem em função da pobreza e da miséria, se tanta gente não fosse expulsa de suas moradias neste Brasil afora, talvez a violência diminuísse.

Se as crianças não crescessem com sentimento de revolta, não só por terem nascido em berço pobre, não só por terem nascido pretas, não só por terem nascido em lares desagregados, mas sim por não terem 10% das oportunidades das classes mais abastadas, talvez a violência fosse reduzida.

Não nos enganemos. Não sejamos hipócritas.

Todos aqueles que querem a redução da maioridade penal no Brasil, classes média e alta, bancada da bala e da Bíblia, grande mídia, partidos de direita e etc., não estão preocupados em resolver a situação da violência. Não é isso.

O sentimento é de ódio e vingança, tão somente.

Não pensemos que eles não sabem que o projeto terá efeito inócuo, caso seja aprovado.

Não nos iludamos que eles não sabem que os crimes continuarão, e que o tráfico arregimentará menores de 16, de 14, de 12 anos...(como já o faz).

Essa é a turma do ''olho por olho''. Encaram Justiça como vingança.

Mas estarão dando um tiro no próprio pé. Daqui há alguns anos, o jovem de 16 anos, preso, em contato com maiores de idade escolados no crime, sairão das prisões muito mais revoltados e violentos do que eram ao serem presos.

Antes de nos arrependermos, teremos perdido uma geração inteira de jovens que poderiam ter sido recuperados.

Resta saber então qual será e contra quem o próximo ataque de ódio.




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